14 de março de 2008

A ARTICULAÇÃO ENTRE O ENSINO BÁSICO E SECUNDÁRIO E O ENSINO SUPERIOR

Publicado no "Público" de 31-12-2000, com o título modificado para "O que deve saber um estudante?"

Quando chega ao fim do ensino secundário, o que é que se espera que o aluno “saiba”?

(Por “saber” entende-se, não só o conhecimento acumulado, mas também a agilidade mental para utilizar esse conhecimento. Não basta “papaguear” uma determinada matéria. Mas, sem uma boa dose de conhecimento acumulado, é muito difícil realizar algo, por muita agilidade mental que haja).

Ao chegar ao fim do 12º ano, espera-se que o cidadão tenha uma cultura geral razoável e saiba atacar problemas, interpretando, relacionando e tirando conclusões.

A cultura geral, como o seu nome indica, deve abranger todos os campos do conhecimento, tanto nas ciências como nas humanidades. Não se concebe que ele não tenha – ou não saiba lidar com eles – conhecimentos de matemática, quais são os principais ossos e órgãos do corpo humano e o seu funcionamento, onde ficam os rios Douro, Mondego, Amazonas ou Nilo, quem eram Eça de Queiroz, Miguel Torga ou Leon Tolstoi, ler, falar e escrever aceitavelmente pelo menos uma língua estrangeira (hoje, naturalmente, o inglês), conhecer as principais leis da física e da química, ler e escrever correctamente português, etc. etc. etc.

Mesmo que vá para a universidade, não vai ter mais estudos de alguma dessas matérias. Poderá estudá-las por si próprio mas não vai ter, no ensino superior, oportunidade de o fazer pois, por definição, se vai situar num sector mais especializado. Assim, um engenheiro ou um médico não podem ser ignorantes da geografia, da gramática ou da história. Por outro lado, um advogado ou um historiador não devem ser ignorantes dos princípios gerais das reacções químicas ou dizerem, de cromossomas, que já ouviram falar disso, mas não sabem o que são.

Um período de 12 anos é suficientemente longo para ser possível adquirir esses conhecimentos, especialmente se o ensino for bom e o aluno lhe dedicar a necessária atenção. Definida a matéria de cada disciplina de cada ano – que deve ser acessível à grande maioria dos alunos – não deve facilitar-se a “passagem de ano” a quem não sabe com o pretexto de “diminuir o insucesso escolar”. Está-se a minar o edifício pela base.

Um ponto importante, para evitar a erosão dos conhecimentos que foram adquiridos – algo inevitável até certo ponto – deve procurar-se que o aluno tenha oportunidade de “usar” aquilo que aprendeu. É essa a única forma de manter activo o conhecimento adquirido. Todos vamos esquecer totalmente uma parte do que aprendemos. Pode dizer-se que foi trabalho inglório, desperdiçado. Para minimizar essa perda e manter vivo o conhecimento adquirido, há que o utilizar com a possível frequência, o que pode ser de grande utilidade no futuro.

Quando o cidadão que completou o 12º ano decide ir para o ensino superior – decisão que já foi, provavelmente, feita algum tempo antes e foi importante porque na parte final do ensino secundário já há uma certa especialização, antigamente apenas entre “letras” e “ciências”, hoje mais diversificada – deve levar a bagagem necessária ao curso que escolheu. Essa bagagem deve ser tal que, embora no ensino superior se recapitulem algumas das matéria já aprendidas – e que fazem parte da “cultura geral” e da especialização escolhida – não seja necessário ensinar de raiz essas matérias elementares.

Actualmente, isso não se verifica. E mesmo em cursos que vão lidar com material biológico, é necessário ensinar pela primeira vez! – matérias de química ou biologia que até deviam fazer parte da “cultura geral” de todos os que completam o 12º ano. Tenho experiência pessoal desse facto.

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Estes considerandos exigem uma muito cuidadosa escolha das matérias e da profundidade a que devem ser ensinadas nesses 12 anos e uma muito boa coordenação com o ensino superior. Para isso são necessárias numerosas reuniões conjuntas duma elite do lado do ensino básico e secundário com uma elite dos diferentes cursos do ensino superior. Referi, para os dois casos, “uma elite” porque é necessário que os elementos, de qualquer dos lados, tenham uma bagagem e uma preparação acima da média dos seus pares, dadas as exigências do problema e as graves consequências de decisões erradas ou da falta de articulação entre os dois conjuntos do ensino. Quando isso se fizer – e a minha experiência diz-me quanto é necessário – os resultados serão muito benéficos, tanto para a cultura geral dos cidadãos como, principalmente, para muito melhor rendimento do ensino superior.

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