11 de janeiro de 2017

Fim

Miguel Mota faleceu a 24 de março de 2016. Neste blog foram sendo publicados, pela sua filha, os artigos que iam saindo nos diversos jornais e revistas.

Avaliar cientistas

Publicado no Expresso de 5 de Março de 2016 - O EXPRESSO noticia que se vai proceder a uma nova avaliação dos centros de investigação científica. A ciência realizada exprime-se em escritos, os “papers”, na gíria internacional. Mesmo quando o resultado da investigação é algo material, uma variedade nova de trigo, uma nova máquina industrial ou um novo medicamento, há normalmente o paper que o descreve. Se um paper é publicado numa revista prestigiada – e há* medida do impacto de cada uma – é porque o trabalho tem valor. Como nos papers são citados os trabalhos de que cada um é continuação ou com ele está relacionado, o número de citações é outra medida do valor da ciência produzida, mesmo em revistas de pouco impacto. Se estamos perante vários papers, em revistas de bom impacto e com elevado número de citações, sabemos que estamos perante boa ciência. Se tudo isto é escasso, é porque a ciência é pouca. Isto aplica-se a uma instituição, a um departamento ou a um cientista. E não necessitamos que venha um senhor estrangeiro dizer se a ciência é boa ou má. - Miguel Mota, Oeiras - A negro o que foi cortado pelo Expresso e substituído por (...) *Substituído no Expresso por à

As cheias e a erosão dos solos

Publicado no "Linhas de Elvas" de 25 de Fevereiro de 2016 - O solo agrícola é algo muito precioso. É ele que está na base da agricultura, seja um pequeno canteiro de alfaces ou uma floresta. Leva dezenas ou centenas ou milhares de anos a formar, mas pode ser destruído em pouco tempo. Há que tudo fazer para o conservar e melhorar. A área agrícola tem vindo a sofrer reduções muito grandes, com o incremento das áreas ocupadas pelas construções para habitação, indústria, estradas, caminhos de ferro e aeroportos. As recentes cheias, que assolaram várias regiões do país, vieram lembrar outro mal, que é a degradação do solo agrícola em consequência da erosão a que tem estado sujeito. Aquelas imensas quantidades de água da cor de chocolate arrastam para o mar muitas toneladas da parte mais preciosa do solo de onde foi arrancada. A melhor forma de combate, para evitar ou reduzir os males das cheias, é actuar sobre toda a bacia de recepção, a área onde cai a água que se vai acumular nas zonas mais baixas, a caminho para um rio ou o mar. Esse combate visa que toda ou parte da água caída nessa área se infiltre no solo. Nas zonas montanhosas, é normalmente possível com a arborização, de forma a conseguir reter a água. Também são úteis, para reter a água e reduzir a sua velocidade, as pastagens de montanha, quando é possível instala-las. Note-se que estas ações têm interesse económico, além da sua importância para evitar ou atenuar as cheias. E a água que se infiltra vai aumentar os aquíferos, um outro ponto importante. As lavouras segundo as curvas de nível são outra forma de evitar o escorrimento superficial. Por várias vezes lembrei – e outros também o fizeram – que é muito importante a arborização da serra do Algarve, uma faixa de cerca de 100 km de comprimento e 20 km de largura, que vai da serra de Monchique até perto da fronteira com Espanha. Quase toda descarnada, apenas com alguns pontos arborizados é, em grande, parte pouco ou nada produtiva e incapaz de reter a água. Disso muito se ressentem os aquíferos da zona baixa, uma faixa de cerca de 20 km de largura. Monchique, a única parte bem arborizada, é uma boa indicação do que pode ser o resultado da arborização. Quando, apesar do que se fizer, ainda muita água corre em ribeiras, especialmente com grande inclinação, há processos de correcção torrencial, para atenuar a velocidade da água. No século XX Portugal teve um especialista nessa técnica, o Engenheiro Silvicultor Mário Galo, que deu um bom contributo para a correcção torrencial, através de pequenas barragens de lajes. Naturalmente, quando a precipitação é muito intensa em curtos períodos ou é muito prolongada, como já tivemos este ano de 2016, mesmo com as melhores técnicas é impossível evitar muitos males.

Preferir produtos portugueses

Publicado no "Linhas de Elvas" de 11 de Fevereiro de 2016 - Preferir produtos portugueses foi um slogan durante algum tempo na outra ditadura. Por diversas razões, penso que devemos repetir esta frase, especialmente quando temos o país inundado por produtos estrangeiros. Justifica-se a compra de produtos estrangeiros quando não existem portugueses ou são muito melhores ou mais baratos. Nalguns casos – e isto aplica-se aos produtos agrícolas – é um problema de comercialização. Não há meio de os agricultores perceberem que têm de ser eles a comandar a comercialização dos seus produtos, como faz qualquer fabricante de automóveis ou frigoríficos. Em vez disso, perguntam “Quanto é que me dão?” A única forma que conheço de resolver esse problema é a associação em cooperativas, se possível de grandes dimensões. A realização que deve servir de modelo foi o Complexo Agro-Industrial do Cachão, que comercializava os produtos com o nome de “Nordeste” e que o 25 de Abril destruiu, existindo agora uma pequena amostra. Portugal tem excelentes condições para a produção de uva de mesa e alguns raros produtores exportam quantidades apreciáveis. Mas a maioria das uvas que vemos nos supermercados são importadas. Portugal tem uma grande variedade de queijos de boa qualidade. Mas também há vários estrangeiros. Os portugueses devem pensar que, quando compram um queijo estrangeiro, estão a pagar o ordenado dos trabalhadores do país de onde provém, aumentando o respectivo PIB. Se comprarem um queijo português, dão trabalho a portugueses e aumentam o nosso PIB. Aumentar o PIB é muito importante. Vários índices económicos e financeiros, como o défice ou a dívida, são expressos em percentagem do PIB. Aumentando o PIB, baixamos esses valores. Estes e muitos outros casos, que se repetem milhares de vezes, fazem grande diferença na economia e nas finanças do país.

Mais um caso de utilização do biogás

Publicado no "Linhas de Elvas" de 28 de Janeiro de 2016 - Ao longo de algumas décadas, tenho tentado chamar a atenção para o biogás, uma forma de energia renovável que Portugal tem negligenciado. Não sou especialista da matéria mas, alguns casos de que tenho notícia levam-me a pensar que poderia ser extensivamente usado em Portugal, no aproveitamento de estrume, lixos e esgotos. Lixos e esgotos custam a Portugal muitos milhões de euros, para os armazenar em aterros ou lançar para o mar, depois de passarem por uma ETAR que não é barata. Através da decomposição anaeróbica (na ausência de ar) destes detritos, resulta um gás, metano, composto por um átomo de carbono e quatro de hidrogénio, que pode ser usado para produzir calor, ou em geradores de electricidade ou em motores de explosão usados em veículos. O que temos é muito pouco. Além dos estrumes e dos lixos urbanos, o problema da poluição nas zonas de criação de porcos talvez encontre no biogás uma boa solução. Nos cálculos do custo da produção do biogás, haverá que se contar sempre com o que se poupa nos custos de eliminar essa “poluição”. No artigo “Energias renováveis negligenciadas”, no Linhas de Elvas de 8-4-2010, referi que os autocarros de transporte público, na cidade sueca de Helsinborg, utilizavam o biogás “produzido numa grande unidade. O líquido sobrante é levado para os campos por pipeline e utilizado pela agricultura, como um óptimo fertilizante.” Recebo agora a notícia de os esgotos da cidade de Grand Junction, no estado americano do Colorado, serem usados da mesma forma, para produção de biogás, o combustível que alimenta a frota de autocarros e vários camiões. Na Europa, é na Alemanha que o biogás está mais utilizado e esse país clama que as suas instalações para o produzir são as melhores. Em Fevereiro de 2009 foi criada a Associação Europeia do Biogás (European Biogas Association, EBA, em inglês), com sede em Bruxelas. Portugal não é sócio.

Leguminosas

Publicado no "Linhas de Elvas" de 15 de Janeiro de 2016 - A FAO declarou 2016 o Ano internacional das leguminosas. O objectivo é aumentar o cultivo e o consumo das plantas deste grupo, com vantagem para a melhoria do solo agrícola onde são cultivadas, e da saúde das pessoas e animais que as consomem. As leguminosas são das plantas com maior teor de proteínas, variadíssimos compostos químicos formados por um grande número de aminoácidos. Estes são apenas 20 mas, tal como peças de Leggo, é possível formar com eles variadíssimas proteínas. Os animais não são capazes de fabricar aminoácidos, que são apenas sintetizados pelas plantas. Como são essenciais à vida, os animais têm de comer plantas ou animais que comeram plantas para os adquirirem. O valor das leguminosas para a melhoria dos solos resulta de viverem em simbiose – uma associação com beneficio para ambos – com bactérias capazes de captarem o azoto do ar e sintetizarem compostos azotados, algo que o homem é capaz de fazer, mas com elevado consumo de electricidade, para produzir os nitratos, adubos muito usados na agricultura. A bactéria, de seu nome científico Rhizobium leguminosarum, forma pequenos nódulos nas raízes, fáceis de ver quando se arranca uma faveira, um trevo ou qualquer outra leguminosa. Vive à custa da planta. Mas cede-lhe grande parte dos compostos azotados que fabrica a partir do azoto do ar pelo que, ao contrário das gramíneas, como o trigo, não necessitam de adubos azotados. E os resíduos que deixam no solo, tornam este mais fértil que antes dessa cultura. Como quaisquer outros seres vivos, também as bactérias apresentam variabilidade genética e algumas são mais eficientes que outras na captação do azoto do ar. A investigação agronómica selecionou estirpes mais eficientes do que as que geralmente existem no solo e hoje não se justifica a cultura de leguminosas sem inocular as sementes com uma estirpe apropriada do Rhizobium. Nos artigos sobre “O azoto”, que publiquei no Linhas de Elvas em 2010, relatei os ensaios realizados na década de 1950, na Estação de Melhoramento de Plantas, em Elvas, pelo Prof. Villax, ensaios que acompanhei e fotografei. Como se pode ver nas fotografias, é espetacular a diferença de desenvolvimento entre os talhões das plantas inoculadas e das não inoculadas. Quando me encontrava a trabalhar na tese então necessária, descansava um tanto desse trabalho escrevendo um pequeno livrinho, que editei em 1954, intitulado “Uma guerra entre as plantas”. Embora também entrem humanos, as principais personagens são plantas de duas famílias, a das Gramíneas e a das Leguminosas, que travam entre elas uma guerra surda. O chefe das Gramíneas é o Senhor Trigo, que mostra um certo desdém pelas Leguminosas. Estas, sentindo-se diminuídas, enviam uma delegação aos engenheiros agrónomos da Estação de investigação para saber como podem melhorar a sua situação. Quando lhes são referidas as verrugas nas raízes, confessam-se envergonhadas por esse “defeito”. É-lhes explicado que, ao contrário, devem orgulhar-se de tão valiosa qualidade. Ao fim de alguns ensaios e demonstrações em que entram membros das Gramíneas e das Leguminosas, compreendem que não há razão para se guerrearem mas antes para colaborarem. O que era uma guerra entre as duas famílias termina com um final feliz, num almoço de confraternização. A pesar de tudo isto, que já é tão antigo, creio que a agricultura portuguesa ainda semeia muitas leguminosas sem inoculação.

A Europa matou o Legislativo

Publicado no "Linhas de Elvas" de 23 de Dezembro de 2015 - Já tratei deste assunto anteriormente mas, como o problema continua a existir, parece-me justificado voltar a ele. Na anterior ditadura, o Estado Novo era acusado de ter a Assembleia Nacional com a função de dizer “Aprovo“ a tudo o que o governo desejava. Ou seja, o governo tinha-se, abusivamente, apropriado do Poder Legislativo, juntando-o ao seu normal Poder Executivo. Lembro que, como se aprendia na escola, a governação de um país assenta em três poderes, Legislativo, Executivo e Judicial. Esse facto era consequência de os eleitores, que podiam candidatar-se a deputados, sofrerem grandes limitações durante a campanha e de eventuais manipulações dos resultados, não conseguirem ser eleitos. Só era eleito quem o ditador indicava. Isso era considerado um dos graves males, mais grave, para muitos, que a incomodativa Censura, que alguns conseguiam ludibriar. Até o “Avante”, embora clandestinamente, continuava a ser publicado e a circular. O que se passa actualmente em Portugal e em quase toda a Europa? Com a ditatorial partidocracia – para a qual cunhei a palavra “partidismo”, para estar de acordo com os nomes das outras ideologias políticas – o sistema em que o poder reside nos partidos e não nos cidadãos, que ficam limitados a eleger quem os chefes dos partidos decidem, vemos ressurgir essa morte do Legislativo, apropriado pelos governos, que passam a acumular, às suas funções de Executivo, as do Legislativo, reduzindo os parlamentos à função de dizer “Aprovo” a todas as leis que o governo determinar. Isto é, a Europa concorda com Salazar. Se não for assim, diz-se, um país é “ingovernável”. Nos Estados Unidos o sistema de governo é presidencial e o Presidente da República é o chefe do governo, funções que, noutros sistemas, são exercidas por um primeiro ministro. Actualmente – dezembro de 2015 – o Presidente e o seu governo são do Partido Democrata. No Congresso, tanto no Senado – a câmara alta – como na Câmara de Representantes – a câmara baixa – a maioria é do Partido Republicano. De acordo com as ideias vigentes na Europa, deveríamos estar a ver o Presidente Obama declarar que o país era ingovernável. Nos Estados Unidos os partidos não têm nem o poder nem o fanatismo que vemos na Europa. Se o Congresso não aprova tudo o que o Presidente deseja, aprova muitas das suas propostas. O país está muito acima dos partidos. É um sistema democrático e os partidos políticos não são órgãos de poder, ao contrário do que acontece em vários países europeus. No partidismo, que domina na Europa, vive-se para o partido e não para o país. A norma, para os partidos continuarem a ter o poder é: tudo o que é do nosso partido é óptimo e aprovamos; tudo o que é de outro partido é péssimo e reprovamos. O país está abaixo dos partidos. Alguém acredita que a Europa, com o sistema vigente, vai sobreviver durante muito tempo antes de explodir... ou implodir?

Trocar o bio pelo eco

Publicado no "Linhas de Elvas" de 10 de Dezembro de 2015 - Todos os seres que a agricultura usa, nomeadamente animais e plantas, são seres biológicos. Por essa razão, dizer que há batatas ou ovelhas “biológicas” e outras que o não são é, no mínimo, ridículo, por mostrar ignorância. No entanto, essa ridícula designação está a ser usada por alguns países, entre os quais Portugal e a França. A Inglaterra e os Estados Unidos usam uma designação igualmente errada. Chamam a essa agricultura “orgânica”, como se houvesse batatas ou ovelhas inorgânicas. Apenas critico, pelas razões indicadas, os nomes usados para designar esse tipo de agricultura Há países que chamam a essa agricultura “ecológica”, nome que me parece aceitável, por se aproximar do processo ecológico natural. O nome biológico é frequentemente abreviado para “bio”. A minha proposta é que se inicie em todos os países uma intensa campanha para trocar o nome “bio” pelo nome “eco”, para designar os produtos “ecológicos”.

A ciência em Portugal no século XX

Publicado no "Linhas de Elvas" de 26 de Novembro de 2015 - O facto de se apresentar o que se fez em tempos recentes sobre a política científica, sugerindo que o que havia anteriormente seria quase nada, leva-me a escrever algo sobre a ciência em Portugal no século XX. Será certamente muito pouco – nem um artigo de jornal permite obra exaustiva – mas penso que pode mostrar que a situação – que não era boa, como hoje ainda não é – não era a nulidade que alguns pretendem insinuar. Convém lembrar a investigação científica portuguesa que foi destruída nestes últimos quarenta anos, em obediência à lei – que parece que ninguém quer ver, mas é bastante evidente – que manda extinguir todas as instituições científicas públicas que não sejam das universidades.
(A não ser quando é possível roubá-las para dar a uma universidade, como já sucedeu). Ao que agora se fez de bom, há que descontar o muito que se destruiu. Na falta de uma Bibliografia Científica Portuguesa, tentarei listar alguns casos de que tive conhecimento, uma pequena amostra que, espero, seja suficiente para mostrar que, nos três primeiros quartéis do século XX, a ciência em Portugal, não era o deserto que se tenta fazer crer e tinha alguma repercussão no estrangeiro. Na investigação médica contavam-se alguns casos com repercussão no estrangeiro, principalmente em França, ao tempo um país de boa ciência. Lembro que o único Prémio Nobel da ciência que existe em Portugal é desse tempo. Em 1936, com o ministro da Agricultura Rafael Duque, deu-se um grande passo em frente para a ciência em Portugal. Pelo Decreto-lei nº 27.207 foi criada a Estação Agronómica Nacional, destruída nestes últimos trinta anos. Não se tratou de uma simples alteração do nome da antiga Estação Agrária Central de Lisboa, como erradamente está escrito em publicação recente, mas da fundação de um instituto de investigação, em tudo comparável aos seus congéneres estrangeiros. No mesmo Decreto é criada a carreira de investigador científico, paralela à carreira do professorado universitário. Modelarmente delineada pelo Professor António Câmara, que deixou a sua cátedra no Instituto Superior de Agronomia para assumir a direção, em breve a Estação Agronómica dava ao país mais dinheiro do que o que nela foi investido. A solução do grave problema da maromba, uma doença das vinhas do Douro, é um bom exemplo. A prova da excelência do modelo criado é que ele foi adoptado por todos os institutos posteriormente fundados, o primeiro dos quais, dez anos depois, foi o Laboratório Nacional de Engenharia Civil. É natural que a produção de artigos científicos – hoje o principal factor de avaliação das universidades – não fosse tão abundante, até porque alguns desses trabalhos demoram anos. Muito está publicado em português. Mas a sua repercussão na economia foi muito grande. Portugal tem hoje muito menos dessa tão necessária investigação e a economia e as finanças estão como se sabe. Em 1973 o PIB crescia a 7%. Em 1945, a Genética tinha quatro grupos activos, liderados por Abílio Fernandes e José Serra na Universidade de Coimbra, António Câmara, na Estação Agronómica Nacional, em Sacavém, mais tarde Oeiras, e Flávio Resende na Universidade de Lisboa. Esses grupos cresceram em número de investigadores e na década de 1950, pela sua produção científica, eram talvez o melhor da ciência portuguesa. Como exemplo, direi que em 1947, quando me encontrava no Departamento de Genética da Estação Agronómica, a elaborar a tese então necessária para se ser engenheiro agrónomo, dois cientistas desse Departamento publicaram na conceituada revista “Nature” um artigo que teve grande repercussão e originou mais investigação, principalmente na Suécia e nos Estados Unidos. A partir da década de 1950, a Estação de Melhoramento de Plantas, em Elvas, produzia regularmente novas e mais produtivas variedades de cereais e forragens que deram à agricultura um valor muitas vezes superior ao que o estado nela investiu. E se esses organismos produziam ciência de directa aplicação é porque também dispunham de laboratórios de genética, fitopatologia, química, estatística, microscopia electrónica e outros. De tudo isto, após a destruição, restam migalhas, num organismo designado INIAV. Basta ver os nomes dos seus componentes, antigas estações e departamentos, para se perceber que quem o delineou não tinha a mínima noção do que é a investigação agronómica.

A cortiça e o vinho

Publicado no "Linhas de Elvas" de 29 de Outubro de 2015 - O número 148 da "Ingenium", a revista da Ordem dos Engenheiros, referente aos meses de julho e agosto de 2015, tem como tema os Clusters do vinho e da cortiça. Além do Editorial, assinado pelo Bastonário, Engº Carlos Matias Ramos, um lote de excelentes artigos, da autoria de engenheiros agrónomos e outros técnicos, dá-nos um excelente panorama da situação actual desses dois sectores da economia em que Portugal está na linha da frente a nível mundial. De cortiça, como já se aprendia na escola, somos o maior produtor mundial. Produzimos tanto como todos os outros países juntos. E a cortiça é a da melhor qualidade. De vinho, além do incomparável vinho do Porto, sempre tivemos bons vinhos, que nas últimas décadas, ainda sofreram notáveis melhorias. Em termos económicos, o valor da cortiça exportada em 2014 foi de 840 milhões de euros. Desse total, 70% foi em rolhas que, apesar de variados ataques, continuam a ser um vedante imbatível. De vinho exportámos 731 milhões de euros em 2014. E os nossos vinhos classificam-se entre os melhores, ganhando prémios em todo o mundo. Em relação à cortiça, além do muito que tem sido feito ultimamente, admito ser possível melhoria. A maior parte dos nossos montados não é o que podia ser. No artigo “O montado português” (Linhas de Elvas de 25-3-2010), cito um vídeo, produzido poucos anos antes pela Fundação João Lopes Fernandes, em que se mostram imagens de um montado plantado em 1957 em Montargil por aquele agricultor, com aconselhamento de dois muito ilustres agrónomos, o Prof. Vieira Natividade e o Eng.º Sardinha de Oliveira. Do artigo transcrevo: “Que diferença em relação à enorme maioria dos montados que vemos em Portugal! Árvores bem alinhadas e com o espaçamento certo. Cada uma com um tronco direito e alto, só então ramificado, ainda jovens (para a normal longevidade do sobreiro) mas já a darem longas e perfeitas pranchas de cortiça. Valia a pena que alguém medisse a produtividade de cada hectare daquele montado e a comparasse com a dum hectare de qualidade média, com árvores mais ou menos irregularmente implantadas, muitas delas de tronco tortuoso, ramificado a baixa altura e dando certamente menos e pior cortiça.” Não pode ignorar-se a magnífica actuação da grande empresa Corticeira Amorim, que tem tido uma notável actividade. Além de exportar para mais de 100 países, com um volume de negócios de mais de 500 milhões de euros, tem realizado investigação, com novas utilizações da cortiça e dando aconselhamento – gratuito – aos agricultores. Recentemente, promoveu a plantação de 2700 sobreiros na Serra da Peneda. É consolador, no país em estado miserável, ver que há sectores em que estamos entre os melhores, no caso da cortiça o melhor – e a grande distância de todos os outros.

O Museu do Ar

Publicado no "Linhas de Elvas" de 27 de Agosto de 2015 - Eu conhecia o Museu do Ar em Alverca, embora há muitos anos que já lá não vou. Mais recentemente foi inaugurado um outro, em Sintra, que só agora pude visitar, na companhia de meu filho.
O Museu encontra-se na Base Aérea 1, embora com certa independência. 
A Base é lugar que muito frequentei porque, antes da construção do Aeródromo de Cascais, em Tires, era nela que se encontrava instalado todo o material do Aero Clube de Portugal. Foi ali que tirei a minha licença de piloto de aviões e onde eu e os outros sócios do Clube íamos voar aos fins de semana. Muito amavelmente recebidos pelo Director, Coronel José Luís Romão Alves Mendes, fomos depois acompanhados em toda a visita pelo 1º Sargento Rui Araújo Pinto, que nos deu informações adicionais sobre as peças expostas. O museu começa, na entrada, com uma série de réplicas de aviões primitivos, entre eles dois de Santos Dumont, um brasileiro de origem portuguesa, que vivia em França: o “14 Bis”, o primeiro avião a descolar sem ajuda - os dos irmãos Wright tinham de ser catapultados – e o “Demoiselle”. Tem uma boa colecção de aviões da Força Aérea e comerciais, bem acompanhados de descrições das suas características. Uma série de helicópteros, entre eles os nossos conhecidos Alouette - um deles “descascado”, para mostrar o seu funcionamento - e o Puma. Uma excelente série de grandes fotografias apresenta a evolução da aviação em Portugal, desde Bartolomeu Lourenço de Gusmão até aos nossos dias. Três grandes paneis, de Angola, Moçambique e Guiné, mostram as posições da Força Aérea nesses territórios. Na Sala dos Pioneiros vi a placa da homenagem que há tempos a Força Aérea prestou, naquele museu, à minha grande amiga de longa data D. Isabel Bandeira de Melo, um caso notável da aviação portuguesa, felizmente ainda viva. Piloto de planadores, piloto de aviões, a primeira paraquedista portuguesa (só havia paraquedistas militares pelo que foi fazer o curso a França), piloto de balões de ar quente e, na década de 1950, a única senhora entre oito concorrentes, ficou em segundo lugar no primeiro concurso civil de acrobacia aérea. Promoveu a formação do corpo de enfermeiras paraquedistas, que tão bons serviços prestaram na guerra do ultramar. Não sei de quem mais tenha tão variadas qualificações. De planadores vi o velho SG 38, o planador escola alemão em que os mais antigos fizeram a sua iniciação nesse magnífico desporto. Para alguns, como foi o meu caso, que nunca tinham andado de avião, dá-nos a pueril “glória” de dizer que, nos primeiros voos, fomos sempre sem qualquer instrutor, ou seja, que fomos “largados” no nosso primeiro voo. No exterior o museu tem ainda algumas outras aeronaves. Como mais tarde me foi chamada a atenção, há uma carência de representação dos aeroclubes, que formaram muitos pilotos, tanto de aviões como de planadores. Talvez a culpa seja dos próprios aeroclubes e bom seria que pudessem dar a sua contribuição. Este museu precisa de ser visto por todos os portugueses, principalmente pelos jovens, que ali podem aprender muito que desconhecem.

Uma Europa toda igual

Publicado no Público de 10 de Agosto de 2015 - A União Europeia não é uma nação federal, como o Brasil ou os USA. Os que tal pretendem parece que não conhecem as diferenças entre as nações que a compõem, a sua história, os seus povos, as suas línguas, as guerras e as tendências hegemónicas de alguns. Muito diferente de nações jovens, como as duas citadas. A União Europeia é uma associação de nações que decidiram abdicar de alguns pontos da sua soberania em troca de outras vantagens. Para a União Europeia sobreviver é necessário que haja mecanismos que impeçam que algum dos seus membros assuma – aberta ou veladamente – a hegemonia. Como já mostrei, os valores dos critérios de Maastricht, para condicionar a entrada no euro, parece terem sido determinados para servirem à Alemanha, segundo os valores previstos para aquele país na data da entrada em vigor do euro. No entanto, a Comissão, o executivo, tem vindo, ao longo de décadas a interferir cada vez mais nos estados seus associados, muito mais do que o governo dos USA, uma nação federal, interfere nos seus estados membros. Pretendem uma Europa toda igual! Não existe nos Estados Unidos a fúria de tornar tudo igual que aqui vemos estar a existir agora. O governo federal, instalado em Washington DC, repito, interfere muito menos nos 50 estados membros do que a Comissão – que não é o governo de uma nação federal – está a interferir nos seus 28 estados. Nos Estados Unidos há muitas leis que diferem de um estado para outro, mesmo em matérias de grande importância. Nalguns a pena de morte é legal, noutros não. As diferenças de salários e custo de vida são grandes. Há estados em que os casinos com jogos de azar são permitidos e outros onde não são. Recentemente foi reactivado o problema do perigo de falar ao telemóvel quando a conduzir um automóvel e sugeridas leis a proibirem essa prática. Tanto quanto sei, até agora apenas alguns estados estabeleceram leis sobre essa prática. Outros legalizaram a marijuana. A maioria não. E há muitas mais diferenças importantes. Comparem-se essas diferenças com os pormenores que a União Europeia está a impor a todos. Penso que é urgente impedir tal intervenção e seria bom que os países membros acabassem com tal situação. As consequências podem ser terríveis, especialmente porque não pararam, com a criação da União Europeia, os apetites de alguns países para hegemonias altamente perigosas. É incompreensível que muitos que, em Portugal, se queixam do centralismo de Lisboa, aceitem este super-centralismo de Bruxelas. Nos Estados Unidos, uma nação federal de 50 estados, o poder legislativo é exercido pelo Congresso. Este é constituído por duas câmaras, o Senado – a câmara alta – que tem 100 senadores, dois por cada um dos 50 estados, e a Câmara dos Representantes – a câmara baixa – com 435 representantes, num total de 535 congressistas.
 Na União Europeia, o Conselho é constituído pelos governos dos países membros, cuja função é, essencialmente, decidir e aprovar a legislação que a Comissão executará. Uma dúvida me surge: porquê, então, a existência de um Parlamento? Como o governo dum país é quem, legalmente, o representa, não me parece lógico haver um órgão legislativo para a UE. Gostava que me explicassem a razão da existência desse órgão. Além disso, o Parlamento Europeu, duma associação de 28 nações, tem 766 membros! Gostava de saber as razões para tão alto número, que constitui um enorme encargo financeiro. Na minha opinião, de uma excelente ideia original, fez-se um verdadeiro aborto, por acumulação de muitos erros. Os que pretendem uma Europa toda igual, a obedecer rigidamente às mesmas leis, não compreendem as tensões que estão a criar e que mais tarde ou mais cedo explodirão. Se essas leis forem feitas à medida de uma nação membro, o problema pode ser muito grave.

A diminuição do défice agrícola

Publicado no "Linhas de Elvas" de 30 de Julho de 2015 - A destruição da agricultura, levada a cabo durante algumas décadas por diversos governos, teve como consequência os nossos mercados aparecerem inundados por produtos agrícolas vindos do estrangeiro, aumentando muito o défice da balança comercial agrícola.
Como escrevi neste jornal em 28-10-2010 (A agricultura e o défice); “...se é normal importar mangas, bananas ou papaias, só a enorme incapacidade dos governantes – e alguma, também, da parte dos agricultores e principalmente das suas organizações – é que importamos batatas, cebolas, cenouras, alhos, alfaces, tomates, pimentos, feijão verde, melões, melancias, laranjas, limões, ameixas, pêssegos, nêsperas, maçãs, peras, uvas, morangos, etc. etc. etc. vindos, às vezes de bem distantes terras? De alguns destes produtos até devíamos exportar mais do que exportamos. E note-se que a agricultura portuguesa ainda exporta mais do que a maioria das pessoas pensa.” Como se sabe, a referida destruição foi travada pela actual ministra Assunção Cristas. Os resultados estão a ser evidentes. As estatísticas mostram que de 2013 para 2014 o défice comercial agrícola teve um decréscimo significativo. Importámos menos e exportámos mais em 2014 do que em 2013. Do que conheço da agricultura portuguesa, de um número significativo de casos pontuais e até da sua evolução ao longo do tempo, acredito no seu enorme potencial. A expressão “Portugal país agrícola” não é algo do passado. Como a Holanda, a França, a Espanha e os Estados Unidos são países agrícolas, o que não os impede de terem boa indústria. Porque a dualidade “agricultura ou indústria”, que vi expressa algumas vezes ao longo dos tempos, não tem sentido, pois até frequentemente se complementam. Com base no que acredito desse potencial, publiquei neste jornal, em 5-1-2012, “De 3 mil milhões de défice para 3 mil milhões de superavit”. Importávamos então 6 mil milhões de euros de produtos agrícolas e só exportávamos 3 mil milhões. Desenvolvendo a agricultura, acredito que se poderia importar bastante menos e exportar muitíssimo mais, de forma a inverter a situação e o comércio agrícola passar a ter um saldo positivo de 3 mil milhões de euros. O número de anos que Portugal levará a atingir esse objectivo – se o quiser alcançar - dependerá da intensidade que o governo e os agricultores devotarem à sua melhoria. A redução do défice agora conseguida é apenas um pequeno começo.

“Agricultura convencional”

Publicado no "Linhas de Elvas" de 16 de Julho de 2015 - Tenho visto recentemente referências a “agricultura convencional”, como algo oposto a agricultura moderna. Na minha opinião, isso pressupõe que a agricultura estaria parada no tempo e sem qualquer alteração, o que não é verdade. A agricultura sempre foi alterando técnicas, criando novas máquinas, melhores fertilizações, etc. Varia bastante a intensidade e amplitude dessas modificações, conforme os países têm melhores ou piores governos. Não há espaço, num artigo, para fazer uma panorâmica, ainda que bastante sintética, da evolução verificada. Mas, mesmo nas últimas décadas em que os governos de Portugal andaram deliberadamente a destruir a agricultura – apenas favorecendo os importadores de produtos agrícolas – com o máximo de destruição durante o governo PS de Sócrates, alguns raros casos conseguiram progredir. Produtores de pera Rocha, por exemplo, remando contra a maré, conseguiram algum progresso. A partir de 2011, com a ministra Assunção Cristas, o panorama alterou-se radicalmente. Não só foi travada a destruição em curso como alguns casos de interesse, como o estímulo aos jovens agricultores, puseram o sector a crescer mais do que o resto da economia. Enquanto anteriormente era clamor geral que a agricultura portuguesa não tinha qualquer futuro, era para acabar ou até já nem existia, agora todos lhe fazem os maiores elogios. Infelizmente, a ministra não fez o que eu gostaria, que indiquei em escritos e que considero essencial para haver uma agricultura muito melhor. Como se sabe, trata-se de ampliar a investigação agronómica e organizar convenientemente a extensão rural. Na série de artigos “A nova equipa na Agricultura”, publicados no Linhas de Elvas de 7-7 a 15-9-2011, mostrei o que seria necessário fazer e que resultados se conseguiriam. Se tivesse sido feito, neste final de legislatura, quatro anos passados, já teriam sido colhidos resultados que aumentariam ainda mais o crescimento da agricultura. Não vale a pena clamar que é preciso inovação e manter a fonte dessa inovação no nível em que está, uma pequena fracção do que existia antes da criminosa destruição efectuada. O excelente Instituto Nacional de Investigação Agronómica (INRA) do Ministério da Agricultura de França, em face do previsto aquecimento global, já orientou o seu trabalho de melhoramento de cereais para a criação de variedades mais resistentes à secura. E são exemplos como este que Portugal devia seguir. São estas as razões que me levam a não compreender o que é “agricultura convencional”.

Eleições presidenciais

Publicado no "Linhas de Elvas" de 2 de Julho de 2015 - Não estão longe as próximas eleições presidenciais e já há algumas pessoas que declararam vir a ser candidatos. Só o serão depois de entregarem a respectiva candidatura, com os necessários apoiantes.
Ao contrário da opinião da quase totalidade dos portugueses, eu considero estas eleições as únicas democráticas em Portugal. Candidata-se quem o deseja – com um certo número de apoiantes, para não haver um grande número de candidatos em quem quase ninguém votaria – e os partidos políticos limitam-se a apoiar o candidato que entenderem. (Os partidos têm toda a razão de existir, como associações de cidadãos como mesmo credo político mas, na minha opinião, nunca como órgãos de poder e muito menos como órgãos de poder ditatorial, como são neste país. Tão ditatorial que são eles que dizem aos eleitores em quem é que eles têm licença de votar, e em listas com ordem fixa, para garantir que são eleitos os que os ditadores decidiram que devem ser eleitos. Em democracia, órgãos de poder são apenas os que são eleitos em eleições livres ou deles derivados.)
 Para a eleição do Presidente da República os cidadãos tem toda a liberdade para escolherem quem desejam eleger. Os que se queixam do Presidente em exercício, só se podem lamentar de não terem sido capazes de eleger um melhor.
Diz-se que sem o apoio de um grande partido não é possível um candidato ser eleito. Creio que se pode dizer que não é exacto. O número de filiados nos partidos é pequeno, no total de eleitores. Mesmo os filiados num partido, se não concordarem com o candidato que a direcção do partido decidiu apoiar, por considerarem haver um melhor, nada os impede de votarem nesse. A grande maioria dos portugueses não está para maçadas... E depois, queixam-se! Há pessoas que podem ser candidatos mas que não o fazem por não terem a certeza de haver suficiente número de votantes no seu nome.
 Para as próximas eleições será necessário começar já. Se alguém está interessado em eleger o/a senhor/a X, deve, depois de o/a consultar e ter a sua aprovação, iniciar imediatamente a campanha de “O/A senhor/a X a Presidente!”. Também se diz que uma campanha custa imenso dinheiro. Não necessariamente. Com as facilidades de comunicação que hoje há, telefone, SMS, internet e autocolantes na lapela ou nos automóveis, cidadãos conscientes e interessados contactam amigos e conhecidos que desejam eleger o/a “Senhor/a X”. Se os contactados fizerem o mesmo, numa reação em cadeia, em breve reúnem um número avultado de apoiantes. Bem gostaria que o mesmo processo existisse para a eleição dos deputados para a Assembleia da República. Por essa razão, na Proposta de Alterações à Constituição, que publiquei em 2002 numa revista universitária, incluí a alteração dos artigos 149 e 151, que nos daria a liberdade de escolha que temos para eleger o Presidente da República e ter, finalmente, democracia em Portugal.

Os cereais no Alentejo - 3

Publicado no "Linhas de Elvas" de 4 de Junho de 2015 - Para concluir a série de artigos sobre o que considero importante para, eventualmente, permitir cultivar economicamente trigo no Alentejo – e não só no Alentejo, mas principalmente nesta província – (Linhas de Elvas de 21-5 e de 4-6-2015), tratarei hoje do problema das rotações das culturas, ou seja, a sequência de espécies vegetais a cultivar no mesmo terreno ao longo de um certo número de anos. Antigamente, depois de ter sido criada a Federação Nacional dos Produtores de Trigo (FNPT), a única cultura de que o agricultor sabia que teria toda a sua produção vendida e a preço conhecido era o trigo. Por essa razão, particularmente no Alentejo, era dada grande ênfase a essa cultura. As rotações eram geralmente pobres. Não eram raros os casos em que, a uma cultura de trigo, apenas com fertilização mineral, se seguiam um ou mais anos de pousio, só algumas vezes revestido com uma forragem, para voltar a fazer trigo. Nalguns casos, entre o trigo e o pousio, ainda se fazia um ano de aveia, para aproveitar os restos da fertilização. Este sistema, durante algumas décadas, reduziu grandemente o nível de fertilidade de muitos solos. Havia algumas honrosas excepções, mas não eram muitas. Como o trigo é uma esgotante, eu acredito que, rotações das culturas em que entrem mais abundantemente plantas melhoradoras, como as leguminosas, possam elevar o nível de fertilidade do solo de forma a aumentar significativamente a produção de trigo. Há bons exemplos a demonstrá-lo. No III Congresso Internacional de Lupinus (o género a que pertencem os tremoços), um agrónomo americano descreveu ensaios com Lupinus angustifolius, o tremoço de folha estreita, que existe espontâneo em Portugal. Dos seus resultados concluiu que “aquela cultura seria económica, mesmo deitando fora a colheita”. A razão é que a melhoria da fertilidade do solo causava um bom aumento na cultura que se seguia. Em Portugal têm sido feitos vários estudos de rotações. Todos são valiosas contribuições mas ainda é necessário fazer muito e penso que falta, para o sequeiro alentejano, um ensaio de grande amplitude e com variadas composições, que dê uma informação precisa e economicamente quantificada, para poder ser usada em larga escala. Em Elvas, na Estação de Melhoramento de Plantas, na década de 1950, alguns ensaios mostraram a espectacular diferença que se conseguia com o incremento da cultura de algumas espécies forrageiras que, além de permitirem um grande aumento do número de ovelhas por hectare, aumentavam o nível de fertilidade do solo. Há algumas décadas, fiz uma tentativa para a realização de um ensaio em larga escala, de grandes dimensões e com uma equipa multidisciplinar. Cada talhão do ensaio teria 100 metros de comprimento e uma largura que desse, com folga, para uma ceifeira ou ceifeira debulhadora, para as culturas serem mecanizadas. Com talhões desta dimensão e o número de repetições que o estatístico considerasse adequado, o erro experimental seria mínimo. Isto exige um campo com 150 metros de largura e 300 a 400 metros de comprimento, que não é difícil encontrar no Alentejo. Abordei a Fundação Eugénio de Almeida que, pela voz do seu então Administrador Delegado, dispensava a área necessária. Tudo o mais teria de ser do Projecto. Contactei vários colegas, da Universidade de Évora e de outras instituições como a Estação Agronómica Nacional e a Estação de Melhoramento de Plantas, alguns dos quais estavam interessados em fazer parte da equipa. Essa equipa incluiria especialistas de cultura de cereais e forragens, química do solo, fitopatologia, nematologia, estatística, economia e mais alguns que se considerassem necessários. As rotações, a delinear em pormenor, começariam com uma bianual, trigo-forragem. Depois, uma série de combinações, a terminar com uma de cinco anos em que os primeiros quatro anos seriam de forragem seguidos de um de trigo. O campo seria acompanhado pelos diversos especialistas ao longo do ano, para recolha dos dados que considerassem necessários. Ao fim deste ciclo de cinco anos já deveria haver informação muito valiosa mas, naturalmente, deveria ser continuado por outros cinco anos, para confirmação e ampliação dos dados. O objectivo era determinar o valor económico de cada rotação pois, como já vimos, uma cultura pode não dar lucro, mas deixar o solo mais rico, a beneficiar a cultura seguinte. Abordei várias entidades para obter financiamento para o projecto, mas nenhuma se mostrou receptiva. Os resultados deste tipo de investigação, generalizados a muitos milhares de hectares, produzem retorno de várias vezes o valor neles investido. Ou seja, rendem juros que os nossos economistas não sabem que existem, mas são reais. Calculando por baixo e considerando uma rotação que dê anualmente mais 100 € por hectare do que a que o agricultor usa actualmente – acredito que se consegue muito mais – e que é aplicável a uns 50.000 hectares, o PIB seria aumentado em 5 milhões de euros todos os anos.

Os cereais no Alentejo - 2

Publicado no "Linhas de Elvas" de 4 de Junho de 2015 - Continuando a explicação, iniciada no Linhas de Elvas de 21-5-2015, das razões porque considero importantes a drenagem dos solos e as rotações das culturas, para aumentar a produção de trigo em condições económicas no Alentejo, tratarei hoje da drenagem. Baseio-me nas observações do Eng.º agrónomo Sardinha de Oliveira, em relação à meteorologia, e nalguns casos posteriores que as confirmam. O Eng.º Sardinha de Oliveira mostrou que, nos anos de inverno chuvoso, a produção de trigo era baixa, por muitas terras ficarem alagadas e as raízes não poderem crescer em profundidade. Como no Alentejo se passa muito rapidamente de um inverno frio e chuvoso para um verão quente e seco, as raízes superficiais não dão defesa contra a seca. Se o inverno foi pouco chuvoso e o campo não ficou saturado de água, as raízes não sofreram asfixia, cresceram em profundidade e, chegado o tempo quente, puderam aproveitar a água que ainda se conservava nas camadas inferiores do solo. Alguns anos de seca levaram pessoas experientes a declarar que, nas searas, se iria colher gelha. Os resultados, não sendo os de um ano bom, foram muito melhores do que muitos esperavam. Do artigo “A drenagem das terras e a produção de cereais” ("Linhas de Elvas" de 27 de Maio de 1994), transcrevo: “No ano agrícola 1988-1989, que se seguiu a anos de inverno chuvoso, as condições meteorológicas nesse período crítico invernal foram muito favoráveis e, num artigo (Drenagem e Rotações. Dois temas de grande importância para a agricultura do Alentejo. DIAgrícola, Suplemento do “Jornal de O DIA”, Nº 14, de 20 de Junho de 1989) escrito em princípios de Maio de 1989, previa que fosse ‘um ano bom de trigo – talvez mesmo um ano excepcionalmente bom.’. Algumas chuvas no período primaveril vieram ajudar. As minhas previsões confirmaram-se e a produção de trigo em Portugal, foi, nesse ano, cerca de 50% superior à média do decénio, o que vem reforçar a ideia da grande importância da drenagem dos solos, como chamei a atenção noutro artigo no mesmo jornal.” Também tratei de drenagem e rotações no artigo "Que fazer com 900 mil hectares de sequeiro no Alentejo" ("Correio Agrícola" nº 164, Outubro de 2002), em resposta ao artigo "Que fazer com 900 mil hectares de sequeiro no Alentejo?", no jornal "Público" de 14-6-2002. Destes factos podemos concluir que a solução é conseguir que nunca a água se acumule de forma a saturar o solo, ou seja, instalar um bom sistema de drenagem, pelo processo mais adequado ao local. Quando isso se generalizar, desaparecem os anos maus causados por um inverno muito chuvoso.

Os cereais no Alentejo - 1

Publicado no "Linhas de Elvas" de 21 de Maio de 2015 - O programa “Olhos nos olhos”, na TV, em 6 de Abril de 2015, teve como convidado o ex-ministro da Agricultura Capoulas Santos, que fez uma equilibrada apreciação da agricultura portuguesa, focando o desenvolvimento dado nos últimos anos e salientando a grande importância do Alqueva. Referiu a recente diminuição do défice comercial agrícola, pois agora exportamos mais e importamos menos produtos agrícolas. Lembrou que a importação de cereais pesa muito no défice, pois a nossa produção de trigo, foi diminuída. O Dr. Medina Carreira perguntou “e não tem solução?” Na sua resposta, o Dr. Capoulas Santos não indicou qualquer forma de reduzir o défice em cereais, mas disse que a ideia será compensar esse défice com as exportações de produtos que mais facilmente podemos produzir, como vinho, azeite, hortícolas e frutas. O problema do défice do trigo, é grave, não só pelo custo das importações mas porque é um bem essencial. Se ficarmos sem a importação, por motivo de guerra, por exemplo, as privações serão muito grandes. Lembro sempre que os povos são mais facilmente derrotados pela fome do que pelos canhões. Na Idade Média, a menos custosa forma de conquistar uma cidade era cercá-la e esperar que a comida acabasse.
 Admito que, mesmo no sequeiro alentejano, possa vir a ser viável a cultura do trigo. Para além de novas e melhores variedades, que a investigação agronómica portuguesa produzia com regularidade, antes da destruição a que foi submetida e de que ainda não recuperou, considero particularmente importante duas práticas agrícolas bem conhecidas: a drenagem dos solos e as rotações das culturas. Sobre esses dois temas tenho publicado muitos artigos, vários deles neste jornal, o mais recente “A drenagem” (24 de Abril de 2013), mas também noutras revistas e jornais para agricultores. Correndo o risco de me repetir, irei desenvolver mais os dois temas porque a resposta do ex-ministro Capoulas Santos à pergunta do Dr. Medina Carreira sugere não acreditar nessa possibilidade. O leitor pode pensar que sou eu que estou errado, que esses dois temas não têm a importância que lhes atribuo, e poderá concluir que o Alentejo terá mesmo que deixar de cultivar trigo ou, como actualmente, em área muito limitada, longe da produção necessária e obrigando a avultadas importações. Isso seria extremamente grave para o país, pelas razões indicadas, o que torna importante envidar todos os esforços para que tal não aconteça ou sejam reduzidas as quantidades a importar. Os elementos em que me baseio são suficientemente evidentes para manter a minha opinião. Para os transmitir aos leitores será necessário um desenvolvimento, que apresentarei em próximos artigos. Mas vi recentemente que, no último meio século, enquanto Portugal reduziu a sua produção de trigo, a Espanha triplicou-a.

Areia na engrenagem

Publicado no "Linhas de Elvas" de 27 de Novembro de 2014 - 
 No tempo do PREC, um senhor que tinha ocupado altos cargos na anterior ditadura, quando acusado de ser fascista, defendeu-se dizendo: “mas eu deitava muita areia na engrenagem”. Ao ver o que tem sucedido nalguns ministérios, não posso deixar de pensar naquela frase. Não haverá quem esteja a deitar areia na engrenagem?
Se isso for o caso, pode perguntar-se: de iniciativa dos próprios ou às ordens de alguém? Não tenho forma de saber.

Primeiras eleições “livres”

Publicado no "Linhas de Elvas" de 7 de Maio de 2015 - Eu gostava de perguntar aos portugueses qual é o seu conceito de eleições livres. Lembro que na democracia – palavra derivada do grego “demos” (povo) e “kratos” (poder) – o poder reside no povo, considerado este o conjunto dos cidadãos maiores de 18 anos, e não numa pessoa ou entidade. Portanto, os cidadãos é que são os detentores do poder e a quem cabe tomar as decisões. Como as diferentes pessoas podem não ter a mesma opinião, sendo rara a unanimidade, foi decidido, em democracia, adoptar, para qualquer decisão, aquela que tiver maioria. Como não é possível consultar todas os cidadãos para todas as decisões a tomar, salvo em casos de decisões de excepcional importância, torna-se necessário que os cidadãos deleguem o seu poder, pelo voto, num número restrito dos seus pares, para que estes, em seu nome, tomem as decisões necessárias. A delegação de poderes, em democracia, tem de ser absolutamente livre. Não pode haver uma qualquer entidade a determinar em quem é que os cidadãos têm “licença” de delegar o seu poder. Em democracia, todos os cidadãos têm os mesmos direitos. Quem desejar ser uma das pessoas em quem os outros vão delegar o seu poder deve poder, portanto ser um candidato a receber essa delegação. Para que não haja um número exagerado de candidatos em quem quase ninguém votaria, é normal que uma candidatura tenha de ser acompanhada por um determinado número de eleitores apoiantes. Não foi isto que se passou nas eleições de 1975. Quem mandava, ditatorialmente, pois o povo ainda não tinha tido oportunidade de se expressar, eram os militares que fizeram a revolução e os civis que a eles se associaram. Esses mandantes decidiram que, para a eleição de uma Assembleia Constituinte, os cidadãos, individualmente, não se podiam candidatar. Só partidos políticos, criados entretanto, poderiam apresentar listas de candidatos. E até foram excluídos desse direito alguns partidos porque, na opinião dos mandantes, uns eram demasiado de esquerda e outros demasiado de direita! O país foi dividido em círculos eleitorais, coincidentes com os distritos. Assim, alguns círculos elegeram dezenas de deputados e outros apenas dois ou três! E as listas eram, como continuam a ser, com ordem fixa, o que dá aos candidatos da frente privilégios que não têm os do final da lista. Os portugueses, que tanto se queixavam, na anterior ditadura, de não poder eleger livremente os seus deputados, agora consideram estas e as que se seguiram para a Assembleia da República, “eleições livres”. Eu, obviamente, não considero, pelas razões acima. Para termo de comparação, os portugueses têm uma eleição democrática: para o Presidente da República. Candidata-se quem o deseja e os partidos limitam-se a apoiar os candidatos que entenderem. Os que se queixam do Presidente da República, só têm de lamentar não terem sido capazes de eleger um melhor. Tinham toda a liberdade para o fazer.

Uma sessão sobre a PAC

Publicado no "Linhas de Elvas" de 23 de Abril de 2015 - Durante a sua visita a Portugal, o Comissário para a Agricultura da União Europeia, Phil Hogan, realizou algumas visitas e participou em várias reuniões. Uma dessas reuniões realizou-se no auditório da ex-Estação Agronómica Nacional, em Oeiras, em 9-4-2015. O tema foi discutir a PAC (Política Agrícola Comum) 2014-2020. Presidiu a ministra da Agricultura e do Mar Assunção Cristas e teve a participação de numerosos técnicos e agricultores, alguns deles dirigentes de organizações da agricultura, como o Presidente da CAP, João Machado. Abriu a sessão a ministra Assunção Cristas, que fez um relato do que foi a viragem da situação da agricultura portuguesa. Permita-se-me um parêntesis para lembrar como, ao longo de vários anos e em diversos escritos, denunciei a deliberada destruição da agricultura que vinha sendo feita por governos PS e PSD. O máximo de intensidade de destruição foi atingido no governo PS de Sócrates. E por toda a parte e de muita gente, mesmo de quem nada sabia do assunto, se lia nos jornais e se ouviam clamores de que a agricultura não tinha qualquer futuro em Portugal e até que já nem havia agricultura! Sempre combati esses clamores, que sabia profundamente errados, pois conheço as potencialidades da agricultura portuguesa, apesar de variadas dificuldades. Com a actual ministra, a situação passou a ser totalmente diferente e cedo se viu esse facto. Poucos meses depois da posse, num Prós e Contras, na TV, mostrou uma enorme determinação de fazer muito melhor, além de uma dose de informação, para mim agradavelmente surpreendente, numa pessoa jovem e vinda de um sector muito diferente. E, desde então, todos cantam loas à agricultura, como a grande esperança no futuro. Reatando o fio da meada, agradou-me o discurso da ministra. Descrevendo o aumento das exportações agrícolas, vários pontos acima da média nacional (devido à grande debilidade dos outros sectores da economia e a vitalidade deste), mostrou como foi reduzido o défice comercial agrícola, apenas nestes quatro anos. (Lembro o meu artigo intitulado “De 3 mil milhões de défice para 3 mil milhões de superavit”, no Linhas de Elvas de 5-1-2012). Também não se coibiu de dizer que discordava de alguns pontos da actual PAC. Seguiu-se o discurso do Comissário Phil Hogan, que foi agradável e, pelo menos, a mostrar-se sincero. O debate que se seguiu foi moderado pelo secretário de estado da Agricultura José Diogo Albuquerque. Variadas pessoas da assistência, incluindo dirigentes de associações agrícolas e de sectores como a cortiça, a produção de porcos e outros, puseram questões, a que o Comissário respondeu.. Pareceu-me uma reunião útil e fiquei com a impressão de que este Comissário da Agricultura é algo melhor que os anteriores, que considerei francamente maus, em resultado da forma como acturam. E lembro que a PAC foi iniciada, com grande êxito, pelo primeiro Comissário, para colmatar a deficiência de 50% de produtos alimentares, do conjunto dos seis países fundadores. Esse Comissário foi Sicco Mansholt, um agrónomo holandês de alto nível, que depois foi Presidente da Comissão. Os calamitosos erros da PAC vieram mais tarde, antes mesmo de Portugal aderir à então CEE.

Armando Sevinate Pinto

Publicado no "Linhas de Elvas" de 9 de Abril de 2015 - Como foi amplamente noticiado na comunicação social, faleceu no dia 29 de março o Engenheiro Agrónomo Armando Sevinate Pinto. Era um especialista de alto nível em Economia Agrícola, que exerceu elevadas funções no Ministério da Agricultura português, na Comissão Europeia e foi ministro da Agricultura no governo de Durão Barroso. Grande apaixonado pela terra, foi valiosa a sua contribuição para várias instituições. Estive com ele por duas vezes no seu gabinete em Bruxelas, quando ele era Director do FEOGA (Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola), sendo responsável pela distribuição de muitos milhões de contos. Os temas que fui tratar eram principalmente os relativos às escassas verbas que a então CEE dedicava à investigação agronómica, o que eu considerava um erro. Nem sempre concordei com o Sevinate Pinto. Por exemplo, num jantar na Ordem dos Engenheiros, em que participou quando era ministro, critiquei, no debate, a fusão do Instituto Nacional de Investigação Agrária com o Instituto Nacional de Investigação das Pescas, que só têm afinidade, como com muitas outras, serem dedicadas à investigação científica. E perguntei-lhe o que é que ganhava, apenas economizar um Presidente? A resposta, esfarrapada, foi que era para agilizar. Neste caso acredito que a imposição viesse de cima. Há muito estava em vigor, como continua, uma “lei” não escrita, que manda destruir todos os organismos de investigação científica públicos que não sejam das universidades. É uma “lei” bastante evidente mas parece que nem os mais directamente afectados querem ver. Ao abrigo dessa “lei”, usam o conhecido método de não extinguir duma só vez, aquilo que se quer fazer desaparecer. Se o fizessem, isso poderia dar violenta reacção que talvez comprometesse o objectivo. Começa-se por cercear meios para fazer o sector definhar. Depois, vão-se juntando parcelas, para que cada entidade vá ficando mais pequena. Nas instituições de investigação científica começa-se por juntar departamentos; depois juntam-se instituições, mesmo que sejam de campos bem diferentes. Quando tudo já está muito reduzido, a sua extinção já não causa grandes protestos. Há uma alternativa à destruição. É roubar a instituição ao ministério em que se encontra e entrega-la a uma universidade. Que eu saiba, isso já foi feito, pelo menos, a duas instituições e preparavam-se, recentemente, para o fazer a outra. Numa conferência na Universidade de Évora, há uns anos, declarei que, como Professor Catedrático, me sinto insultado por essa prova de mediocridade e inveja. Em Portugal, para a investigação científica, este processo está em marcha há pelo menos três décadas e o que o país já perdeu com tal destruição, só em termos económicos, é algo fabuloso. A investigação científica, convém lembrar, é a fonte principal da agora muito badalada “inovação”. A última vez em que estive com Sevinate Pinto foi há pouco mais de dois anos, em Serpa, em casa dum colega de curso, também grande especialista de Economia Agrícola. Para comemorar o seu aniversário, convidou para um almoço numerosos amigos, entre os quais colegas, alguns da sua especialidade, um deles igualmente antigo ministro da Agricultura, Fernando Gomes da Silva. Calhou-me ficar na mesma mesa que o Sevinate, o que permitiu uma mais longa troca de impressões sobre os problemas da agricultura. O desaparecimento de tão ilustre agrónomo é certamente uma perda para a agricultura portuguesa.

A responsabilidade do chefe

Publicado no "Linhas de Elvas" de 26 de Março de 2015 - Em qualquer organização, civil ou militar, em que haja uma hierarquia, cada sector tem, normalmente, um chefe. Está na moda, recentemente, fazer distinção entre “chefe” (mau) e “líder” (bom). Dá-me vontade de rir, pois um chefe é sempre um líder. O que há é bons chefes e maus chefes. A um chefe são dados alguns poderes, sem o que o sistema não funcionaria. Mas também são dadas responsabilidades. Por definição, tudo o que se passa no sector a cargo de um chefe, é da sua responsabilidade, seja bom ou seja mau. A não ser que haja interferência de um escalão superior – do chefe do chefe – caso em que cessa a responsabilidade do chefe do sector, pois passa a ser transferida para o escalão superior que fez a intervenção. Ocorreram recentemente vários casos em que os chefes, normalmente de grandes sectores, tentaram desculpar-se de erros, atribuindo-os a alguns subordinados, e alegando que não tinham tido conhecimento. Tivessem ou não tivessem tido conhecimento, e sem ilibar do erro quem o cometeu, a responsabilidade do chefe continuava a existir. Até demonstrava que o chefe não tinha suficiente controlo do que se passava no sector a seu cargo. Se é um facto que na natureza humana há, com maior ou menor gravidade, falhas e erros, há que os evitar. Se ocorrem alguns de muito más consequências, é natural que haja lugar a punições. Alguns dos poderes do chefe referem normalmente o grau de punições que podem aplicar. Durante os muitos anos em que exerci o cargo de Chefe do Departamento de Genética da Estação Agronómica Nacional, algumas vezes chamei a atenção de funcionários do Departamento, dizendo para tentarem não cometer erros porque “os vossos erros são também erros meus”.

Ainda a democracia

Publicado no "Linhas de Elvas" de 26 de Fevereiro de 2015 (Com o título alterado por engano: O mal não está nos partidos) - Como eu escrevi no artigo “A esquerda e a direita”, cada vez fico mais perplexo em relação às ideias políticas dos portuguesas. (No artigo citado a palavra “fico”, que se pode deduzir, o que não anula a falta, deve ter desaparecido por qualquer erro meu no computador. As minhas desculpas). No Linhas de Elvas de 15/2/2015, Velez Correia refere “... logo após a nossa entrada na Democracia...”. Não sei se considera essa "entrada" logo após o 25 de Abril e inclui a ditadura comunista do PREC, quando o povo não tinha qualquer possibilidade de ter influência nas graves decisões então tomadas, ou apenas mais tarde, quando já tinha havido um arremedo de eleições "livres". Presumo que, tal como à quase totalidade dos portugueses, nada o incomoda não poder candidatar-se a deputado se o desejar. Nem o incomoda que, ao delegar, pelo voto, o poder que em democracia lhe pertence, só poder faze-lo num conjunto de candidatos "nomeados" como tal, ditatorialmente, por alguém. É a sua opinião e tem direito a ela.
 Em ditadura, faz-se o que os ditadores querem. Em democracia, faz-se o que o povo – a que Velez Correia e eu pertencemos – deseja. Na coluna ao lado da de Velez Correia, o advogado Sílvio Bairrada transcreve um dos muito afrontosos casos que têm ocorrido em Portugal. Ao apresentá-lo diz “... esta tropa fandanga que nos saiu na rifa...”. Eu sei que essa expressão é simbólica mas, na verdade, a “tropa fandanga” não nos saiu na rifa, pois não é resultado de um sorteio. Para os que se consideram em democracia, é resultado da livre escolha desses cidadãos. Para mim, é consequência de um sistema ditatorial bem pior do que o anterior, baseado numa não plebiscitada Constituição – algo inadmissível em tempos modernos – que apregoa democracia mas é, evidentemente, uma partidocracia ditatorial. Se os cidadãos quisessem, já teriam tido forma de alterar o sistema eleitoral, para haver um sistema democrático. Já apresentei uma proposta nesse sentido, como referi recentemente no artigo “A culpa não é dos partidos” (LE de 29-2-2015). Naturalmente, quem se considera em democracia não está interessado em alterações. Mas esses, como Velez Correia, não posso deixar de os considerar responsáveis pelo estado em que a tropa fandanga pôs o país, já que consideram ter elegido livremente os governantes. Resta-me dizer que, a não ser que me demostrem que estou errado, sempre pautei as minhas acções pelo que me parece certo, mesmo que o mundo inteiro diga o contrário. Por essa razão, concordo em absoluto com um cartaz que vi recentemente e que anexo a este escrito.

O mal não está nos partidos

Publicado no "Linhas de Elvas" de 29 de Fevereiro de 2015 - Quase todos se queixam dos maus políticos e dos partidos. Só não se queixam os que beneficiam do sistema. São inúmeros os escritos referentes a esse tema e, na maioria dos casos, pedem que os partidos se reformem, alterando o seu procedimento. Na minha modesta opinião, essa forma de abordar um problema, que é real, não está correcta. O mal não está nos partidos. Há muito tempo que considero que o mal está na nossa Constituição e no absurdo poder, um poder absoluto, ditatorial, que dá aos partidos. Posso prova-lo, pois em 1979, já lá vão mais de trinta e cinco anos, apenas cinco anos após a revolução, publiquei no “Expresso” o artigo “Partidofobia e partidocratite”, que termina com o seguinte parágrafo; “Da vivência destes 5 anos parece podermos dizer que, partidos como congregações de cidadãos com o mesmo credo político, sim! Partidos como órgãos de poder paralelo, não! E partidos como órgãos de poder ditatorial, três vezes não!!” Para corrigir este mal, que a mim parece evidente mas que os portugueses aceitam como bom, na “Proposta de Alterações à Constituição”, que publiquei em 2002 na revista universitária “INUAF Studia”, propus as seguintes alterações dos Artigos 149º e 151º: Artigo 149º Alterar para: Os Deputados são eleitos por círculos eleitorais uninominais, constituídos por um conjunto de freguesias adjacentes, somando um total de (40.000 a 50.000 ?) eleitores ou, no caso de haver freguesias com mais do que esse número de eleitores, por bairros adjacentes, de forma a situarem-se dentro daqueles limites. Artigo 151º 1 - Alterar para: As candidaturas serão apresentadas, nos termos da lei, por um grupo de não menos de X nem mais de Y eleitores do respectivo círculo eleitoral. Definir os números X e Y. Pode considerar-se como referência a eleição para o cargo de Presidente da República, em que a proporção é de, aproximadamente, um a dois por cada mil eleitores. Para um círculo de 40.000 eleitores teríamos 40 a 80 proponentes, que parece ser número aceitável. 2 – Suprimir Isto é aplicar à eleição dos deputados exactamente a mesma norma que se usa para a eleição do Presidente da República, a única democrática em Portugal. Os que se queixam do Presidente da República apenas podem lamentar-se de não terem sabido eleger um melhor, pois não eram obrigados a fazer o que os chefes dos partidos – os actuais ditadores – quisessem mandar, como somos obrigados a fazer nas eleições dos deputados. Para as autarquias já se abriu o que chamei “uma pequena janela democrática” e é possível haver, também, candidatos independentes. (Os outros são “dependentes”). Mas assim deviam ser todos, e os partidos apenas com a função de apoiar os candidatos que entendessem. A existência dos partidos é perfeitamente correcta, mas nunca como órgãos de poder e muito menos como órgãos de poder ditatorial, que decidem quem pode ser candidato e até em listas de ordem fixa! Como já tenho dito, nunca fiz tenção de me candidatar a deputado, mas não tolero não ter esse direito, que considero inerente ao conceito de democracia.

Ainda a esquerda e a direita

Publicado no "Linhas de Elvas" de 29 de Janeiro de 2015 - Eu cada vez fico mais perplexo em relação às ideias políticas dos portugueses e, particularmente, dos mais ilustres politólogos. Não sou especialista de ciência política e, perante a discordância com as ideias generalizadas, tudo indicaria que quem está errado sou eu.
Acontece que, apenas com o que é cultura geral e o que vi e sei dos sistemas políticos em alguns países, não posso deixar de concluir que os outros têm conceitos diferentes dos meus, principalmente do que é democracia e do que significam, em política, as designações de “esquerda” e “direita”. A democracia é o sistema em que o poder reside nos cidadãos e não numa ou num reduzido número de pessoas, que é a característica das ditaduras. Se sou um dos detentores do poder, tenho o direito de o delegar em quem o deseje ou de me candidatar a exercê-lo, se quiser e sem ter, para isso, de criar um partido. De um artigo anterior, transcrevo: “Como é sabido, esses termos “esquerda” e “direita” nasceram na Assembleia Nacional, em Paris, em 1789, no tempo da Revolução Francesa. Em termos modernos, podemos dizer que são acções de esquerda as nacionalizações, a redução do leque salarial (na extrema esquerda os salários seriam todos iguais), saúde, educação e protecção na velhice como encargos do estado, predomínio do trabalho sobre o capital (na extrema esquerda não pode haver capital privado), impostos altamente progressivos, em que quem tem mais paga proporcionalmente mais e quem tem muito mais paga proporcionalmente muito mais, etc. etc. etc. Por oposição, são de direita as privatizações, um grande leque salarial (desde salários de miséria a salários muito altos), saúde, educação e protecção na velhice como negócios privados, predomínio do capital sobre o trabalho, impostos pouco progressivos ou, até, todos a pagarem a mesma percentagem, etc. etc. etc.” Logo após o 25 de Abril, os partidos tinham os seus nomes razoavelmente de acordo com a sua prática. Mas isso mudou cedo. Quando Mário Soares, na sua viragem, deixou de aparecer na rua, de punho erguido, a gritar “Partido Socialista, um partido marxista!” e confessou que tinha metido o socialismo na gaveta, já o partido tinha deixado de ser socialista e de esquerda. Com Guterres quase toda a governação foi de direita e com Sócrates o PS entrou na extrema direita, extinguindo Centros de Saúde, Maternidades e vários outros serviços públicos, para obrigar a pagar a privados. Além disso fez contratos extremamente ruinosos para o estado e em favor de bancos e outros grandes interesses, fazendo subir a dívida pública, que se mantinha abaixo dos 60% do PIB, para 94% do PIB, assim colocando nos actuais e futuros cidadãos uma enorme carga. E Passos Coelho, eleito pelos que acreditaram que ele iria começar a corrigir tais desmandos, fez mais do mesmo. Apesar de colocar nos cidadãos, especialmente a classe média, uma austeridade brutal, levou a dívida pública a 130% do PIB. E esse dinheiro não foi para os bolsos de funcionários e pensionistas, nem para melhorar os serviços públicos, alvos de cortes brutais. Mas os portugueses, que só podem votar em “novos” governantes entre os que a meia dúzia de ditadores lhes dá licença de escolher e pela ordem que eles determinaram, consideram o sistema “democracia”. E chamam ao PS “de esquerda”.

Porquê vender?

Publicado no "Linhas de Elvas" de 15 de Janeiro de 2015 - No tempo do governo PS de Sócrates e quando o país já estava em grande penúria financeira e a serem extintos muitos serviços públicos, como Centros de Saúde e maternidades, acções de extrema-direita, de um partido que se diz “de esquerda”, foi declarado que o estado ia nacionalizar um banco falido (o que motivou o meu escrito “Socialismo ao contrário”) com o custo inicial da astronómica quantia de 4.000 milhões de euros. Quando foi evidente que o governo estava a manter o banco em questão – o BPN – como entidade separada, para depois vender, eu disse que, na minha modesta opinião, depois de ter sido feito o que eu considerei um erro grave, o que se devia fazer era a transferência de tudo o que restava do BPN, nomeadamente balcões e pessoal, para a Caixa Geral de Depósitos, o banco de que todos os portugueses são o dono. (Não me furto a contar que, quando num grupo expressei essa opinião, uma pessoa, que sabe que sou anticomunista, pois não gosto de ditaduras, declarou, com um certo espanto, “mas isso é o que propõe o Partido Comunista!” Respondi-lhe que, se eu considerava algo como certo, não alterava a minha posição por o PC também a perfilhar. Aliás, os vários governos, principalmente o PS de Sócrates e o PSD de Passos Coelho, têm dado amplas razões para Jerónimo de Sousa dizer muitas verdades, não só na minha opinião mas na de muita gente.) Depois de meter ainda mais dinheiro no BPN, o governo vendeu o banco... por uns míseros 40 milhões de euros! Se vendesse por um valor idêntico ao que lá meteu, acrescido dos avultados juros desse capital, compreendia-se. Como quem o comprou não foi, certamente, para perder dinheiro, a pergunta que surge é: o que é que o novo dono vai fazer que a Caixa Geral de Depósitos não é capaz? Parece que algo semelhante se está a passar com o BES. Eu repito a pergunta: porquê vender? Uma outra pergunta me ocorre. O governo clamou que uma das razões para ter de vender a TAP – uma entidade do maior interesse nacional e uma presença de Portugal no mundo – era ela precisar de uma injecção de capital. E que a UE não permite que o governo o faça, algo que, se é verdade – vi indicações que dizem não ser – além de considerar que essa interferência excede o que deviam ser as suas competências, me deixa perplexo. Então o governo não pode meter dinheiro numa empresa que é totalmente sua – diz-se que a bem da concorrência – e pode meter verbas avultadíssimas em empresas privadas?

O potencial agrícola de Portugal

Publicado no "Linhas de Elvas" de 18 de Dezembro de 2014 - Embora a ministra Assunção Cristas tivesse dado a volta às ideias que vigoravam em Portugal em relação à agricultura, ainda por aí anda muita gente que só fala nas dificuldades naturais – a que se juntam as artificiais... – para justificar uma pobre agricultura ou para desculpar muitos insucessos Passemos em revista algumas das dificuldades. Concordo que são reais e é pena que existam. Mas temos de viver com elas e, em vez de cruzar os braços e lamentarmo-nos, procuremos corrigi-las ou tirar partido delas. Muitos dos solos de Portugal são ácidos e inconvenientes para variadas culturas. É verdade. Mas a acidez do solo corrige-se com a calagem, a aplicação de algum material alcalino, que até pode ser calcário moído. Muitos solos sofrem erosão. É algo de que se queixam desde a Campanha do Trigo, sem nada fazerem para a combater. E há variados processos, sem ser preciso deixar a terra a mato. Que me recorde, apenas vi fazer bom combate à erosão, na década de 1950, nas herdades do Eng.º agrónomo Sardinha de Oliveira. Muitos dos solos portugueses têm escassa matéria orgânica. Isso foi consequência de rotações paupérrimas, esgotantes, durante muitos anos, sem que os agricultores se apercebessem disso. Depois de um pousio, de um ou mais anos, apenas algumas vezes revestido, cultivava-se trigo, que normalmente só levava fertilização mineral. Algumas vezes ainda se fazia, depois, um ano de aveia, para aproveitar os restos. O Alentejo ainda hoje sofre desse mal. A solução é a utilização de rotações com maior predominância de leguminosas. Ao fim de alguns anos, o nível de fertilidade melhora. Temos alguns bons exemplos desse facto e nunca me esqueço do trabalho de um americano, apresentado em França, no III Congresso Internacional de Lupinus, em 1984. Lupinus é o género botânico a que pertencem os tremoços, da família das Leguminosas. O agrónomo americano que apresentou um estudo de rotações que incluíam o Lupinus angustifolius, o tremoço de folha estreita, espontâneo em Portugal, declarou: “esta cultura seria económica, mesmo deitando fora a colheita”. A razão era por ter deixado a terra mais fértil, o que se refletia na produção da cultura seguinte. Outro problema é a drenagem. Ainda vemos, nos invernos muito chuvosos, vastas áreas alagadas, o que, especialmente para os cereais, é responsável por uma asfixia das raízes, que não se desenvolvem em profundidade. No Alentejo, quase sem primavera – passa-se rapidamente de um tempo frio e chuvoso para um quente e seco – este problema é grave e explica, como bem demonstrou o Eng.º Sardinha de Oliveira, porque é que a produção de trigo era melhor nos anos de inverno pouco chuvoso. Se a terra for drenada, por qualquer dos processos existentes, esse mal deixa de existir. Com o regadio, há muito maior controle sobre as culturas e o recente alargamento da área regada, com o Alqueva, permitiu aumentar significativamente as nossas produções, especialmente de algumas culturas. Se tivéssemos a Holanda e a Holanda é que fosse dona deste bocadinho da Europa, não me admirava que tivéssemos um pântano e invejássemos este país à beira mar plantado, com o seu bom clima, que lhe permite obter tão saborosos frutos.

Convergência

Publicado no Público de 26 de Janeiro de 2014 - Um grupo de funcionários públicos ficou muito triste por o Tribunal Constitucional ter “chumbado” a convergência de pensões entre os reformados dos serviços públicos e dos privados. Esses funcionários eram todos dos mais altos postos, como Directores Gerais, técnicos superiores, professores catedráticos e alguns outros. Esperavam que as suas reformas fossem aumentadas pelo menos 200 ou 300%, em convergência com posições equivalentes nos privados, mesmo sem considerar aqueles que têm reformas de mais de 100.000 euros mensais. O que têm visto é as suas reformas, bem mais pequenas do que as dos que têm posições equivalentes nos privados, ainda mais reduzidas. Por isso lamentam não haver a tão apregoada “convergência”.

Incentivos

Publicado no "Linhas de Elvas" de 30 de Janeiro de 2014 - Vejo na comunicação social que a Senhora Ministra da Agricultura anunciou incentivos para os agricultores que pouparem água. Os mais directos beneficiários dessa poupança de água são os próprios agricultores. Tal como nas muitas outras práticas agrícolas, que só não são alteradas porque os empresários agrícolas as desconhecem. Nenhum agricultor consciente desperdiça água por prazer, deliberadamente. Tal como não usa a melhor variedade da espécie vegetal que cultiva, ou a adubação mais adequada, ou qualquer outra prática.
A agricultura é uma actividade muito complexa. Depende de variadíssimos factores, alguns dos quais não são humanamente controláveis, como o clima. Só é possível, nalguns casos, prevenir, como ter boa drenagem do solo, para se defender do excesso de chuva. A complexidade vai de todos estes casos e muitos mais, que até à comercialização dos produtos. Conhecendo estes factos, a melhor actuação do Ministério da Agricultura será levar até ao agricultor esses conhecimentos.
Uma comunicação que apresentei à IV Semana de Extensão Rural, organizada pelos estudantes da Universidade de Évora, em 1992, intitulava-se INVESTIGAÇÃO E EXTENSÃO, OS MAIORES "SUBSÍDIOS" QUE PODEM SER DADOS A QUALQUER AGRICULTURA. Está publicada na “Gazeta das Aldeias” de Julho de 1992 O nome de Serviços de Extensão Agrícola - ou Serviços de Extensão Rural - está generalizado para os serviços que, nos Ministérios da Agricultura, têm a tarefa de levar até aos agricultores os conhecimentos de que necessitam e particularmente os que vão sendo produzidos pela Investigação Agronómica. A actual Ministra da Agricultura travou a destruição da agricultura que vinha sendo feita há mais de três décadas e atingiu o máximo de intensidade no governo PS de Sócrates. Tomou algumas medidas acertadas, de tal forma que, nesta economia desgraçada, o Produto Agrícola Bruto (PAB) tem estado a crescer. Mas estaria a crescer mais se, como eu esperava, dada a sua actuação esclarecida logo no início do mandato, tivesse desenvolvido o há anos bem melhor serviço de investigação agronómica, hoje quase destruído, e o serviço de extensão rural. Não o fez e eu não posso deixar de pensar se as forças que pretendem a destruição da agricultura continuam a ter algum poder
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Mais um que “fugiu”

Publicado no "Linhas de Elvas" de 13 de Novembro de 2014 - O próximo Presidente do Conselho Europeu será Donald Tusk, o actual primeiro-ministro da Polónia. Do artigo “O homem da esperança”, no “Público” de 1 de Setembro de 2014, da autoria do Embaixador da Polónia em Lisboa, Bronislaw Misztal, transcrevo: “Portanto é com muita esperança, além de óbvio orgulho e humildade necessária que nós, os polacos, damos as boas vindas à nomeação do presidente da Europa. Donald Tusk, o primeiro-ministro da Polónia, é a escolha da esperança, confiança e valores comuns.” Também não tenho dúvidas de que os dinamarqueses sentiram o mesmo “óbvio orgulho” quando o primeiro-ministro da Dinamarca, Anders Rassmunsen, deixou esse cargo para assumir o de Secretário-Geral da NATO, outro importante cargo internacional. E em Portugal? Quando o primeiro-ministro Durão Barroso deixou esse cargo para ir exercer o de Presidente da Comissão Europeia, o chefe do executivo da União Europeia, outro cargo de muito grande importância internacional, o que é que se ouviu? Que ele “fugiu”, que não devia abandonar o cargo, que devia ficar para cumprir o seu mandato, etc. O “óbvio orgulho”? Os grupos que clamavam contra essa fuga não sabem o que isso é. E nós sabemos bem quem são, pois se mostram em bem orquestradas manifs. E os que sabem, pois acredito que ainda existem? Com raras excepções, são a tal “maioria silenciosa”, que se deixa espezinhar e consente em chamar democracia a esta feroz ditadura partidocrática, responsável por delapidar Portugal, que continua a vender o país, principalmente a estrangeiros, continua a tirar aos pobres e remediados para dar aos ricos e clama que o país está melhor que em 1974, como se Portugal, no dia 25 de Abril desse ano, tivesse parado no tempo. O primeiro-ministro português que “fugiu” foi António Guterres, a meio do seu segundo mandato. Do seu discurso em que anunciou a demissão, transcrevo: “Se olhasse para estas eleições e passasse por elas como porventura seria integralmente o meu direito, continuando a exercer as funções de primeiro-ministro, o país cairia inevitavelmente num pântano político e minaria as relações de confiança entre governantes e governados, que são indispensáveis para que Portugal possa vencer o desafio que tem pela frente. Nessas condições, entendo que é meu dever, perante Portugal e perante os portugueses, evitar esse pântano político. E por isso mesmo, pedirei ao Senhor Presidente da República que me receba, para lhe apresentar o meu pedido de demissão das funções de primeiro-ministro, querendo com isto contribuir para a criação duma situação que permita o pleno restabelecimento da confiança entre governantes e governados.” Se o Eng.º Guterres foi eleito para um segundo mandato, foi graças às realizações já em meio, que recebeu do governo anterior e que lhe permitiram fazer um brilharete, com os exemplos típicos da Ponte Vasco da Gama e a Expo 98. Quanto a esta última realização, não me canso de lembrar o que considero uma falha clamorosa, bem reveladora da ausência do “óbvio orgulho” nacional e que bastante prejudica a projecção de Portugal no mundo. O tema da Expo era “Os Oceanos” e a organização ignorou completamente o que considero o feito maior dos portugueses no século XX, a I Travessia Aérea do Atlântico Sul, por Sacadura Cabral e Gago Coutinho. Essa falha clamorosa fez o país perder uma oportunidade magnífica, como talvez não volte a haver, de mostrar ao mundo – visitaram a Expo muitos milhares de estrangeiros – esse feito notável dos portugueses. Na minha modesta opinião, a Travessia devia ter um pavilhão a ela dedicado, com painéis a descrever o que foi essa epopeia, filmes – alguns da época – sobre esse feito, o hidroavião Santa Cruz ou uma réplica construída para o efeito, edição de livros antigos e de outros escritos para a ocasião, e uma série de palestras por pessoas qualificadas. Como nada se fez, o mundo continua a conhecer bem o nome de Charles Lindbergh – cuja Travessia, cinco anos depois, é um feito importante, mas muito menos importante que o dos nossos navegadores – e quase ninguém sabe quem eram Arthur de Sacadura Cabral e Carlos Viegas Gago Coutinho. Voltando ao governo Guterres, convém notar que, no governo que o antecedeu, a economia portuguesa tinha crescido sempre acima da média europeia. A partir de 1995, começou a crescer menos do que a média europeia, sempre cada vez menos. Quando o PS voltou ao governo, em 2005, entrámos em recessão. Tudo consequência de políticas erradíssimas. E por muito que o governo actual apregoe melhorias – ao mesmo tempo que continua a cortar ordenados e pensões e a aumentar o número de milionários – as perspectivas de futuro, para a grande maioria dos portugueses, são muito negras.

4 de maio de 2015

A compostagem

Publicado no "Linhas de Elvas" de 30 de Outubro de 2014 É bem conhecida a importância da matéria orgânica na fertilidade do solo agrícola. No entanto, muita matéria orgânica, que podia ser utilizada para esse fim, é levada para aterros. Para reduzir esse desperdício devemos procurar forma de a usar.
Já repetidas vezes lembrei a produção de biogás, uma forma de energia renovável que Portugal tem negligenciado, mas que é utilizada noutros países. Tratarei hoje de um outro caso, especialmente aplicável aos muitos quintais que existem junto às habitações: a compostagem. A Câmara Municipal de Oeiras, em tempos, distribuiu gratuitamente umas caixas de madeira, com cerca de um metro cúbico, onde se podiam acumular os detritos orgânicos da casa e do quintal, para se decomporem e formarem aquilo a que se chama “composto”. Também há à venda, para o mesmo efeito, caixas em plástico. Mas essas caixas são dispensáveis, especialmente se o quintal não for muito pequeno e houver abundância de detritos de material vegetal. Basta ir empilhando os detritos, quando possível encostados a um muro. Para dar ao monte de detritos a forma de um cubo ou de um paralelipípedo, para melhor aproveitamento da superfície ocupada, podem ser cravadas canas ou varas, como se fossem os lados da caixa, como se mostra na figura.
No verão convém regar a pilha do composto porque sem humidade não há decomposição da matéria orgânica. O tempo que os materiais orgânicos levam a decompor-se varia muito. Folhas e caules verdes decompõem-se facilmente, mas materiais mais grosseiros, como caules muito lenhificados, levam mais tempo. 
O produto final é um excelente fertilizante, muito bom fornecedor de azoto, um dos elementos de que as plantas necessitam em grande quantidade. A propósito, talvez valha a pena lembrar que as cinzas das lareiras também são um bom fertilizante. São fornecedoras de fósforo e potássio, outros dos elementos que as plantas consomem em grande quantidade. São, portanto, um bom complemento do composto e, como este, devem ser deitadas no solo a cultivar e enterradas com a cava ou sacha. Pode parecer insignificante um tal aproveitamento. Mas, considerando os muitos milhares de quintais a que ele pode ser aplicado, são toneladas de lixo que deixam de ter de ser transportadas para os aterros e é o aumento de fertilidade do solo de milhares de hectares, para incrementar a produção de mais e melhores frutos, hortaliças e flores.





A ponte Salazar, por alcunha 25 de Abril

Publicado no "Linhas de Elvas" de 16 de Outubro de 2014 Nas suas interessantes retrospectivas de notícias importantes que ocorreram no período de 150 anos de existência, que comemora em 2014, o Diário de Notícias (DN) relata, em 14 de Agosto de 2014, a inauguração da Ponte Salazar, ocorrida em 6 de Agosto de 1966. O DN do dia 7 desse ano relatava, na primeira página e com uma grande fotografia: "Inaugurada a Ponte Salazar. Cem milhões de europeus viram pela televisão a maior e a mais bela ponte do velho continente". Pouco depois do 25 de Abril de 1974 e logo que a ditadura militar - quem tudo mandava era o MFA – foi substituída pela ditadura militar comunista de Vasco Gonçalves – leia-se Moscovo – a fúria destrutiva de tudo o que a anterior ditadura tinha feito de bom iniciou-se com grande intensidade. Dentro dessa fúria destruidora, foi arrancado do bloco de amarração dos cabos da ponte o nome de Ponte Salazar e substituído por Ponte 25 de Abril. Em pura dedução minha, mas baseada em sinais que se me afiguram fidedignos, penso que essa acção teve dois objectivos: apagar a memória do que a outra ditadura tinha feito de bom e fazer crer, especialmente aos jovens nascidos já depois do 25 de Abril, que algumas dessas realizações foram obra da actual ditadura. Esta última dedução encontra apoio, pelo menos num facto. Sei do caso de uma pessoa que, comentando que o nome de Ponte 25 de Abril era para dar a ideia de que fora construída depois da revolução, ouviu de uma jovem: "Então e não foi?" A alcunha é um nome que se aplica a quem já tinha um nome de batismo. Assim, pode dizer-se que a Ponte Salazar tem agora a alcunha de Ponte 25 de Abril. Mais uma vez digo, a todos os que clamam que vivemos em democracia, que, então, a culpa do estado desgraçado do país, é deles. Antigamente, sem haver eleições livres, a culpa de todos os males era de um ditador. Em democracia a culpa é dos cidadãos que, podendo escolher quem manda, elegem tão maus governantes.


A vespa asiática

Publicado no "Linhas de Elvas" de 2 de Outubro de 2014 A juntar à lista de pragas e doenças que afligem as abelhas e causam prejuízos aos agricultores, apareceu agora uma vespa, de nome científico Vespa velutina nigritorax, também chamada vespa asiática que, além de agravar as condições económicas da agricultura, é também capaz de atacar pessoas. Tenho informação de que o ministério da Agricultura está a tratar do assunto. Mas vi notícias de que, no Norte do país, onde o ataque tem causado prejuízos nos apiários, o combate à praga está a ser feito por outros ministérios, nomeadamente os do Ambiente e da Administração Interna. Não posso deixar de lembrar que a Estação Agronómica Nacional, antes da destruição levada a cabo por vários governos, possuía um Departamento de Entomologia, com bons investigadores, que certamente estaria indicado para o combate à nova praga, como fez em vários casos em que teve de actuar. Menos de dez anos depois da criação da Estação (pelo Decreto-lei 27.207, de 16 de Novembro de 1936), o Departamento de Entomologia, de que era Chefe o Eng.º Agrónomo Alexandre José Duarte, dirigiu, em 1944-1945, o combate a uma praga do gafanhoto Dociostaurus maroccanus, que estava a causar prejuízos à agricultura. Portugal está cada vez mais vulnerável e com menos capacidade para se defender de ataques à sua agricultura, como este que agora surgiu. É extraordinária a incapacidade dos nossos governantes, particularmente nos últimos quarenta anos, para compreenderem que o dinheiro “gasto” com os laboratórios de investigação do estado independentes das universidades é um fabuloso investimento. Não conseguem perceber que o eficiente combate a uma praga ou doença custa muito menos que o prejuízo que elas causam. E um combate eficiente só é possível com bons investigadores ou com pessoas ensinadas ou dirigidas por eles. Há muitos bons exemplos a demonstrá-lo.

Dizer como

Publicado no "Linhas de Elvas" de 18 de Setembro de 2014 Assisti aos primeiros debates entre os Antónios, Seguro e Costa. À data em que escrevo estas linhas o terceiro ainda não ocorreu. Talvez a única conclusão válida que se pode tirar, na base do que cada um disse do outro, é que nenhum dos dois presta para primeiro-ministro. Houve concordância no que cada um disse que queria para o país, como crescimento económico, baixar desemprego, etc. É óbvio que isso é o que todos queremos! Mas faltou o essencial: dizer como atingir esses objectivos, dizer as medidas a tomar e a legislação a propor para desenvolver a economia, baixar o desemprego, etc. Não basta declarar os objectivos desejáveis, disso estamos fartos. É necessário dizer de que forma os vão atingir. Sobre isso, nada. Costa disse que só depois apresentará o programa do governo, se for eleito. Ou seja, quer um cheque em branco. Seguro declarou que não vai aumentar a carga fiscal. Convém não embandeirar em arco. Primeiro, porque, na base do passado, não temos qualquer garantia de que, quem for eleito, cumpra o que prometeu em campanha. Mas, também em face do passado, nada garante que, sem alterar a massa fiscal, aumente os impostos dos pobres e remediados, para dar mais aos ricos. Não podemos esquecer que, nos últimos tempos, tem aumentado o número de pobres e também o número de milionários.

Mais um ano. Parabéns, Linhas de Elvas!

Publicado no "Linhas de Elvas" de 4 de Setembro de 2014 
 Decorria o ano de 1950 quando a cidade viu nascer um novo jornal que. rapidamente se tornou de grande importância, não só para Elvas, mas para todo o Alentejo. O nome: Linhas de Elvas. Era seu Director o Casimiro Abreu e Editor e proprietário o dinâmico Ernesto Ranita Alves e Almeida – o Ernesto Alves, como era geralmente tratado –, que algum tempo depois passaria a ser o Director. A Cibele era uma livraria onde se encontravam o Director, o Editor e proprietário, do jornal, alguns dos colaboradores – entre os quais tive a honra de ser incluído – e mais algumas pessoas, numa sempre agradável tertúlia. Com excelentes colaboradores, a sua leitura é sempre agradável, com amplo noticiário local e artigos sobe os mais variados temas. Em tempos mais recentes aponto como exemplo, entre muitos outros escritos, as crónicas semanais do médico Amaral Marques sobre temas de saúde, muito úteis e esclarecedoras. Em 64 anos tornou-se um valioso repositório de notícias do concelho. Por tudo isto e o mais que se poderia acrescentar, quero dizer, ao Director e a todos os que fazem o jornal, Parabéns, Linhas de Elvas!

Associações de agricultores

Publicado no "Linhas de Elvas" de 21 de Agosto de 2014 No mesmo número da revista “Empresas & Negócios” de que comentei a notícia sobre o melhoramento genético do arroz (LE de 31-7-2014), é referida uma entrevista com a ministra Assunção Cristas, que exortou os jovens a agregarem-se em associações ou cooperativas de agricultores. É realmente importante esse conselho e há dezenas de anos que escrevo que a única forma de os agricultores, individualmente, deixarem de ser explorados pelos comerciantes é a associação em cooperativas, para terem dimensão, já que a maior parte da produção agrícola vem de pequenos ou médios empresários. Mais de uma vez citei o caso do Cachão, a cooperativa agrícola do Nordeste Transmontano. Uma cooperativa daquela dimensão exige um gestor de grande capacidade, algo muito escasso em Portugal. Mas já não será tão difícil, pelo menos para iniciar, fazer uma cooperativa de menores dimensões. Não cabe ao Ministério da Agricultura organizar essas cooperativas. Mas é tarefa dum serviço de extensão rural – que o ministério devia ter – sugerir e ensinar como se organizam e como devem funcionar, pois nem sempre da parte dos agricultores há a iniciativa e os conhecimentos necessários para que elas se concretizem. Algumas das actuais podem servir de modelo e se, em outras, há deficiências de funcionamento, há que chamar a atenção e sugerir as modificações necessárias para maior eficiência. Não deve ser esquecida a produção de publicações e vídeos sobre o tema, para serem distribuídas em larga escala, algo que o ministério em tempos fez bastante bem. Há poucos dias vimos na televisão a notícia dos protestos de produtores de batata, que não conseguiam escoar os seus produtos. Não sabiam a solução para o seu problema. Ela certamente não nasce desses protestos.

O número de doutoramentos

Publicado no Público de 17 de Agosto de 2014 Governos das últimas décadas, principalmente os do PS, apregoaram como, nos últimos tempos, aumentou muito o número de doutorados em Portugal. A afirmação está correcta mas exige algum esclarecimento para que quem está longe destes assuntos não fique com a ideia de que Portugal não tinha, no antigamente, gente qualificada ao nível de doutoramento. Durante muitos anos, o doutoramento não estava no percurso normal de algumas carreiras. Nos grandes laboratórios de investigação, iniciados em 1936, com a criação da Estação Agronómica Nacional (EAN), a progressão na carreira (paralela da carreira docente universitária) era feita por concursos.
(Não estou a defender ou a atacar os sistemas então vigentes. Estou apenas a constatar factos. Aliás, concordo com o sistema actual). Por estas razões, existiam, nessas instituições, pessoas de muito alto nível científico, bem para além do nível do doutoramento. Mesmo nas universidades, as admissões e progressão na carreira eram frequentemente feitas por convite ou por concursos, documentais ou de provas públicas. Muitos professores catedráticos e até reitores nunca tinham feito o doutoramento, embora tivessem nível muito superior ao de um recém-doutorado. O Eng.º Manuel Rocha, fundador e primeiro Director do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), nunca fez o doutoramento. Recebeu mais tarde, merecidamente, o grau de Doutor Honoris Causa. Faleceu recentemente um professor catedrático do Instituto Superior Técnico, o Eng.º J. Delgado Domingos, que nunca fez o doutoramento, o que não o impediu de ser uma figura importante na ciência. Em Espanha, o curso de engenheiro agrónomo era semelhante ao que havia em Portugal e exigia, após os cinco anos de cadeiras, uma tese de investigação original que levava, em média, três anos a completar. Quando a Espanha mudou esse sistema para um como o proposto pela Declaração de Bolonha, entregou o diploma de Doutor em Agronomia a todos os engenheiros agrónomos que tinham completado o curso com média igual ou superior a 14 valores. (As notas, em Agronomia, tal como em Portugal, eram muito apertadas). Um professor catedrático de Agronomia de Espanha, Mateo Box, que esteve em Portugal como arguente num concurso, disse-me que ele tinha sido um desses casos. Quando foram criados, em Portugal, os mestrados (que eu sempre considerei um erro), o ministério convidou, através do Instituto Britânico, alguns professores da Universidade de Reading para virem “ensinar” a fazer esse grau. Vieram ver, não só as escolas de ensino superior, mas também as instituições de investigação científica onde se poderiam fazer teses de mestrado. Os de engenharia civil, além do Técnico, foram ver o LNEC. Dois de agronomia foram à EAN. O Prof. Watkin Williams foi ao Departamento de Genética, então da minha responsabilidade. O outro, cujo nome não recordo, foi ao Departamento de Pedologia.
Durante a conversa, o Prof. Williams perguntou-me como era a tese que lhe tinham dito ser exigida até há pouco tempo para se ser engenheiro agrónomo. Disse-lhe que um pequeno número de teses, normalmente com uma classificação modesta, seriam aceites em Inglaterra como teses de mestrado. A grande maioria seria certamente aceite como teses de doutoramento. Convidei esses dois professores para jantar e, em minha casa, durante a conversa, o Prof. Williams, que sabe espanhol, disse: "Estive na biblioteca da Estação Agronómica a ver teses e tudo o que vi eram boas teses de PhD” (doutoramento). Ouvi mais alguns comentários de estrangeiros no mesmo sentido. Repito: Apenas pretendi que, ao referir-se o grande aumento do número de doutoramentos – que, aliás, também se verificou noutros países – não fique a ideia errada de que o nível de conhecimentos em Portugal seria muito mais baixo do que na realidade era.

Melhoramento genético do arroz

Publicado no "Linhas de Elvas" de 31 de Julho de 2014 A revista “Empresas e Negócios”, distribuída com o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias de 28-7-2014, é dedicada à agricultura, repetindo várias vezes a palavra “inovação”. A inovação não cai do céu. Resulta do trabalho de investigação e, na agricultura, é o objectivo da investigação agronómica. Na indústria pode importar-se a inovação, pagando patentes. Mas na agricultura a inovação estrangeira não pode ser usada sem se investigar antes se também resulta em Portugal e em que locais, pois as condições naturais – a que a agricultura está submetida – são muito variáveis. Numa notícia informa-se que está em curso um “Programa Nacional de Melhoramento Genético do Arroz”. É boa notícia. Mas leva-me a recordar que, em tempos, existiu na Estação Agronómica Nacional um Departamento de Melhoramento de Plantas, com uma Secção de Melhoramento de Arroz. Os seus dois bons investigadores, os engenheiros agrónomos Manuel Viana e Silva e Augusto Simplício Duarte, infelizmente já falecidos, “fabricaram” novas e melhores variedade de arroz. Tudo isso foi destruído nas últimas décadas, como quase toda a investigação do Ministério da Agricultura, particularmente durante o governo PS de Sócrates. E assim se afundou Portugal. O actual governo travou essa destruição e oxalá consiga reconstituir e ampliar o que já existiu, a nível estatal. É bom que haja investigação nos privados, mas eles só fazem a investigação que lhes dê directamente dinheiro e, normalmente, a curto prazo. A investigação do estado é um investimento que rende grandes juros. Nalguns casos, directamente, com aquilo que é vendável. Em muitos outros, os mais importantes em valor, indirectamente, através dos impostos cobrados por motivo de aumentos no PIB. Os nossos governos têm mostrado não o saber. Esperemos que a actual ministra da Agricultura saiba. Os agricultores de Elvas conhecem o valor da investigação agronómica. Ao longo dos anos, cultivaram muitos milhares de hectares de variedades de trigos e forragens obtidas na sua Estação de Melhoramento de Plantas, criada em 1942 e hoje com outro nome. Talvez ainda haja quem se lembre das primeiras dessas variedades, lançadas na lavoura na década de 1950, o trigo Pirana e o Grão da Gramicha, que tiveram grande expansão no país graças à sua maior produtividade. Era excelente “inovação”, palavra que os nossos políticos “descobriram” recentemente, como algo novo.