Publicado na “Sintra Regional” nº 14, Setembro de 2005:
Quando ainda andava no liceu, gostava muito de fazer, em casa, com materiais improvisados e uma ou outra compra de baixo custo, as experiências que aprendia nas aulas, principalmente de física e de química. Eu e meu irmão comprávamos apenas tubo de vidro (algo que não era possível improvisar, mas que não era caro) e alguns compostos químicos, como ácido clorídrico, por exemplo, que não encontrávamos na cozinha nem no armário dos remédios. As antigas latas de graxa, vazias, com um furo na tampa e um pavio de cordel eram excelentes lâmpadas de álcool. Frascos usados e rolhas encontrávamos lá em casa. Para substituir os balões de vidro capazes de ir ao lume usávamos lâmpadas eléctrica fundidas que, com uma técnica que desenvolvemos, eram abertas, mantendo o casquilho, etc. etc. etc.
Com uma kit chamada “O tio eléctrico”, que meu Pai me ofereceu, aprendi os fundamentos da electricidade (antes dessa matéria me ser ensinada no liceu) e fiz um grande número de experiências, culminando na construção de microfones de carvão. A família estava mobilizada para não deitar fora, além das lâmpadas eléctricas fundidas, baterias gastas (excelentes para delas tirar os carvões), campainhas velhas e outros materiais eléctricos. Ainda possuo algumas das peças simples e o livrinho de instruções d’ “O tio eléctrico”.
Conhecendo a importância e o valor desse tipo de actividade que, além da aprendizagem, dá um treino de pensar, de raciocinar sobre os problemas e improvisar quando necessário, nunca deixei de me interessar por todos os casos que estimulem, especialmente nos jovens, o seu desenvolvimento. Há muitos anos, visitei nos Estados Unidos algumas Feiras da Ciência (“Science Fairs”) e tive o prazer de ver, mais tarde, algumas em Portugal, numa das quais fui convidado a fazer uma palestra sobre microscopia electrónica.
Por estes factos, foi com grande prazer que estive presente, no dia 25 de Julho de 2005, no Pavilhão do Conhecimento, na celebração do 6º aniversário do programa Ciência Viva, uma cerimónia com várias demonstrações muito interessantes, principalmente dirigidas às crianças, mas onde muitos adultos (alguns em posições importantes) também podem receber lições. A cerimónia foi organizada pela Directora do Pavilhão do Conhecimento e do Programa Ciência Viva, Dr.ª Rosália Vargas, grande entusiasta destas actividades e teve a presença do Primeiro Ministro e de dois ministros. Nos discursos mais uma vez foi exaltada a importância da ciência para o desenvolvimento do País, algo que tenho ouvido, ao longo da vida, a muitos governantes, de cores politicas diversas. Mas os actos desses mesmos governantes não têm estado de acordo com as palavras (algo que parece ser uma pecha normal nos políticos) como tenho referido e que sofri ao longo dos anos duma vida inteiramente dedicada à ciência. E a discrepância está bem patente no facto de Portugal apenas investir na ciência 0,8 % do seu magro PIB, verba normalmente mal gerida, com enormes inversões de valores. Em variados artigos, tanto para o grande público como para sectores mais especializados, tenho chamado a atenção para muitos dos erros cometidos (lembro “A saga das avaliações”, na “Sintra Regional” Nº8, Janeiro de 2005) sem que haja indícios da sua correcção. É um facto que estamos na “era do conhecimento”, mas em Portugal o que interessa não é “o que tu conheces”, mas sim “quem tu conheces”. “Science for the boys” tem sido uma constante.
No sector que melhor conheço, a investigação agronómica, o que tem sido feito, particularmente nas últimas décadas, é algo pavoroso, com fenomenais destruições do pouco que havia e que custaram já ao Pais valores incalculáveis. E neste sector, mais que em qualquer outro, dadas as condições naturais em que se exerce a actividade, a investigação é condição sine qua non para o desenvolvimento. Os resultados estão patentes em qualquer supermercado e o que desnecessariamente importamos do estrangeiro – e que é bem mais prejudicial do que a carência de exportações! – representa quantias astronómicas. Como repetidamente tenho demonstrado, com os infelizmente escassos elementos de cálculo de que dispomos, os investimentos na investigação agronómica são de tal forma rendosos que o próprio orçamento recolhe, pelos aumentos causados no PIB, juros verdadeiramente fabulosos. Posso indicar um exemplo que todos conhecem. A uva ‘D. Maria’, essa excelente variedade de uva de mesa que encontramos em todos os mercados, introduzida na lavoura há algumas décadas, foi resultado da investigação realizada na Estação Agronómica, em Oeiras, pelo infelizmente já falecido Eng.º José Leão Ferreira de Almeida, que a baptizou com o nome de sua mãe. Sem poder dispor de números, mas avaliando, pela quantidade consumida a sua real importância, apenas o resultado desse trabalho dá ao Pais, todos os anos, certamente mais do que os gastos da Estação Agronómica. E muitos mais casos como a uva ‘D. Maria’ teríamos se não fossem as criminosas destruições, de que eu tenho suficiente experiência, pelos muitos anos em que ali chefiei o Departamento de Genética.
Voltemos à Ciência Viva e ao seu 6º aniversário. Além do que se passa na sede, no Pavilhão do Conhecimento, possui 12 Centros, em diferentes locais do País, em que se mostra aos jovens muito do que é e o que faz a ciência. Muitas actividades são levadas a cabo em colaboração com outras entidades, em variadíssimos locais do País. A astronomia, a agricultura, a geologia, a biologia e variados outros sectores são tema de encontros em que especialistas de cada um mostram aos jovens e também a adultos alguns exemplos das ciências vividas pelos próprios. Nas interessantes demonstrações presentes estava a do Centro Ciência Viva de Tavira, com cujo Director Executivo, o Eng.º Nuno Loureiro (meu antigo aluno na Universidade de Évora) tive ocasião de trocar algumas interessantes impressões. Também fui encontrar um outro amigo, o Prof. António Sousa da Câmara, um cientista ilustre, descendente duma família de cientistas muito ilustres. O seu avô, o Prof. António Sousa da Câmara, foi o fundador e primeiro Director da Estação Agronómica Nacional, a primeira instituição de investigação científica de boas dimensões e em moldes modernos criada em Portugal em 1936 e que serviu de modelo a tudo o que veio depois, a começar pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil, nascido dez anos mais tarde. Com os seus colaboradores, o Prof. António Câmara (neto) apresentou uma interessantíssima demonstração das possibilidades da energia eólica, na forma dum grande bolo de aniversário em que as velas eram lâmpadas eléctricas e que estava rodeado, na base, por vários moinhos de papel, como os que as crianças usam para brincar. Soprando num qualquer desses moinhos acendiam-se as velas, iluminação que cessava logo que o moinho deixava de se mover. Eram muitas as crianças – e alguns adultos – que iam soprar nesses moinhos e ver as luzes a acenderem.
Para terminar, apenas quero mais uma vez dar os parabéns à Dr.ª Rosália Vargas pelo bom trabalho realizado e desejar-lhe a continuação de tão bela obra.
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*Miguel Mota, Investigador Coordenador e Professor Catedrático, jubilado. Presidente da Sociedade Portuguesa de Genética
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