14 de março de 2008

Comentários sobre o nome de “Agricultura biológica”

Publicado no Correio da Manhã de 5 de Agosto de 1999:

O Suplemento “Fórum Ambiente” do CM de 15-6-99, com uma desenvolvida reportagem sobre a “I Feira de Agricultura Biológica do Porto”, leva-me a oferecer aos leitores do CM alguns comentários que julgo pertinentes, para se evitarem os erros de terminologia que, infelizmente, pululam nas línguas de vários países, incluindo o nosso.

Não estão em causa as práticas agrícolas recomendadas para suprimir os malefícios resultantes de determinadas acções, nomeadamente o emprego exagerado de alguns compostos químicos, como fertilizantes ou pesticidas.

Se alguns destes produtos em muito têm ajudado a agricultura a alimentar a humanidade - uma parte da qual, sem eles, já teria morrido de fome - é um facto que é possível, em muitos casos, substituí-los por práticas que os evitem.

O que está em causa é esse ridículo nome de “Agricultura Biológica”.

Enquanto as fábricas não forem capazes de produzir, sinteticamente, alfaces ou carne para bifes, toda a Agricultura é “Biológica”!!!

Não sei quem originou esse título, mas chamar Agricultura Biológica à que “não usa produtos de síntese” é dizer que toda a outra agricultura NÃO É BIOLÓGICA!

Em relação à norma de “não usar produtos de síntese”, convém lembrar que muitos produtos “naturais” também são tóxicos. E, por exemplo, a ureia de síntese não difere daquela que existe na urina.

Se aplicássemos essa mesma terminologia à espécie humana, teríamos como consequência que um homem que tomou uma aspirina já não era um Homem Biológico!

Repito que o que está em causa não são as práticas consideradas, mas simplesmente o ridículo - por completamente desajustado - do nome de Agricultura Biológica.

Procure-se, portanto, um outro nome, mais correcto. Alguns que têm sido sugeridos também não são correctos, como a designação de “Agricultura Natural”. Por definição, toda a agricultura é artificial. Podemos considerar um processo “natural” no tempo em que o homem se limitava a colher os frutos que a natureza lhe oferecia ou a caçar os animais selvagens. Mas, nessa altura... ainda não havia agricultura!

Quando o homem inventou a agricultura e começou a semear plantas e a criar animais, deixou de utilizar o processo “natural”.

Um nome mais correcto, para substituir essa aberrante designação de “biológica”, talvez pudesse ser “Agricultura Ecológica”, indicando uma aproximação às condições naturais da “não agricultura”. Deixo o tema em aberto a melhores sugestões.

Muitos dos princípios que agora se apregoam, há muito que os ensino aos meus alunos, a quem sempre mostrei que fazer agricultura é orientar a ecologia no sentido que mais interessa ao homem, não apenas no momento presente, mas preservando e melhorando as condições que permitam uma agricultura saudável e sustentada, que assegure o bom futuro das gerações vindouras.

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* Miguel Mota, Investigador Coordenador e Professor Catedrático, jubilado

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