14 de março de 2008

Divulgar a ciência portuguesa

Publicado no “Jornal de Cascais” de 16 de Outubro de 2007

Nestes últimos tempos os jornais têm publicado notícias sobre a investigação científica realizada em Portugal ou por portugueses que se encontram no estrangeiro. É excelente, para os portugueses saberem que o país não é tão incapaz como alguns pretendem. Essas notícias merecem-me dois comentários.

O primeiro é lembrar que convém evitar os exageros que vemos com certa frequência. Alguns casos da publicação de trabalhos científicos “normais” ou até ainda em fase incipiente, são apregoados como se fossem de nível de Prémio Nobel. O segundo comentário refere-se à ideia que está a ser divulgada de que só recentemente é que os portugueses produzem boa ciência e publicam trabalhos em boas revistas e recebem prémios, o que não é verdade. Há muito, apesar das grandes dificuldades – que continuam a existir! – portugueses publicam trabalhos científicos de grande categoria em revistas internacionais. Posso dar alguns exemplos, entre muitos outros. Lembro-me que em 1947 (há sessenta anos!), quando me encontrava a trabalhar no Departamento de Genética da Estação Agronómica Nacional, dois colegas desse Departamento, Nydia Malheiros e Duarte de Castro publicaram na “Nature” o primeiro artigo dum trabalho sobre a descoberta de plantas com cromossomas sem centrómero localizado. Esse trabalho disparou em vários países novas linhas de investigação e está largamente citado na literatura científica.

Em Dezembro de 2006, na conferência de encerramento do “XLI Congresso da Sociedade Portuguesa de Microscopia”, ao falar de “Alguns Marcos Importantes” da Sociedade, referi várias publicações e quero destacar aqui uma, de particular importância. A microscopia electrónica tinha revelado, nas bactérias, umas estruturas junto da membrana celular que foram designadas “mesossomas” e sobre as quais foram publicados centos de trabalhos e originadas as mais variadas teorias quanto às suas funções. No coroamento de vários anos de trabalho sobre a membrana das bactérias, já com artigos publicados em revistas como a “Experimental Cell Research”, “Journal of Bacteriology” e outras, o Dr. Manuel Teixeira da Silva publicou, em 1976, na “Biochimica et Biophysica Acta” um artigo em que demonstrou que tais estruturas não existem na bactéria viva e são artifícios resultantes do processo de fixação do material, necessário à observação no microscópio electrónico. Depois dum período de certa resistência, o trabalho foi amplamente confirmado e.. desapareceram os mesossomas! Mas nada disto veio nos jornais.

Se me é permitido o uso do meu caso pessoal, quando em 1952 um trabalho meu recebeu o Prémio A. J. da Silva Pereira do Instituto Português de Oncologia, a notícia não veio nos jornais. Como não veio em 1953, quando publiquei na “Nature” um trabalho sobre triticale (um híbrido entre trigo e centeio), em que descrevi um fenómeno estranho que me levou a considerar que devia ter havido a eliminação do conjunto de cromossomas dum dos progenitores. O mesmo sucedeu quando, em 1956, num Simpósio Internacional de Genética, no Japão, apresentei uma nova teoria da anafase (a separação dum cromossoma em dois, quando uma célula se prepara para se dividir), trabalho largamente citado em artigos e, até, em livros texto; nem quando, em 1959, publiquei na “Experimental Cell Research” um trabalho em que demonstrei a existência dum anel contráctil na divisão das células animais e que fez terminar uma controvérsia existente entre várias hipóteses; nem quando em 1986 me foi concedido pelos Estados Unidos o “Fulbright Biological Diversity Award” (o “Prémio Fulbright para a Biodiversidade”). Tudo isto é só o normal na vida dum cientista e eu acho excelente, como disse, que se divulgue para a população saber que o seu país sabe fazer o que fazem os outros e só não faz mais pela má gestão, da responsabilidade dos altos dirigentes. Mas, repito, evitem exageros que em nada ajudam o país e não se diga que é só recentemente que há boa ciência em Portugal.

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* Investigador Coordenador e Professor Catedrático, jubilado

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