24 de setembro de 2009

Governabilidade

Publicado no Linhas de Elvas de 24 de Setembro de 2009


Aprendia-se na escola - e não sei se ainda se aprende - que a governação dum país assenta em três poderes: o legislativo, o executivo e o judicial.

Na Europa e em alguns países de outros continentes está a ser considerada a "necessidade" de o sector do executivo ter maioria absoluta de simpatizantes da sua ideologia no legislativo e alguns até consideram o país "ingovernável" se tal não existir. Outros, porém, consideram tal maioria um mal gravíssimo.

Nestes países o chefe do executivo (normalmente com a designação de Primeiro Ministro) não é eleito como tal, mas é uma consequência das eleições para o legislativo. Nem sempre é assim e há casos em que o chefe do executivo é eleito directamente e em eleição diferente da que leva à formação do legislativo. Um caso típico são os Estados Unidos, em que o Presidente é, simultaneamente, o chefe do governo, com funções perfeitamente idênticas às dum Primeiro Ministro. É um sistema presidencialista, diferente dos semi-presidencialistas, em que o Presidente se limita a aprovar ou não as leis feitas pelo legislativo.

Invoco estas linhas, que publiquei há uns anos(1) porque a situação que se vive e as ideias que vejo apresentadas pelos nossos políticos e politólogos exigem que se chame a atenção para alguns aspectos da nossa desgraçada política. Aquela separação dos três poderes garantia um certo equilíbrio, evitando que qualquer deles tome supremacia, invadindo o sector que a outro pertence. Quando aqueles três poderes se mantêm independentes, o governo terá de governar com as leis - quaisquer que elas sejam - elaboradas pelo legislativo. (Por esse facto, não me parece lógico que um parlamento dê ao governo "autorizações legislativas". Está a abdicar das funções que, por definição, lhe competem e a entregá-las a outros). Se um governo considera que não é capaz de governar com as leis feitas pelo legislativo, tem de se demitir. Se não as cumpre satisfatoriamente, tem de ser demitido. Se, cumprindo bem as leis, os resultados são maus porque as leis são más, só tem de chamar a atenção dos cidadãos que, em democracia, já não elegerão tão maus deputados.

Nos Estados Unidos já tem sucedido o governo ser dum partido e a maioria no Senado ser de outro. E ninguém ali pensa que o país, assim, é ingovernável. O governo não é consequência das eleições para o Congresso (Senado e Câmara dos Representantes) e os partidos não são órgãos de poder. Não existe ali o partidarismo fanático que vemos ao máximo em Portugal e que nos submete a uma ditadura feroz, em que os cidadãos não se podem candidatar a deputados e meia dúzia de pessoas dizem a 8 milhões de eleitores em quem é que eles têm "licença" de votar e em listas de ordem fixa. Em qualquer parte do mundo em que as pessoas sabem o que é democracia (sistema em que o poder reside nos cidadãos e não em qualquer clique) e ter eleições livres, um tal sistema é, obviamente, ditadura.Mais uma vez me vejo compelido a citar a frase com que terminei um artigo publicado no "Expresso" há trinta anos: "Partidos como congregações de cidadãos com o mesmo credo político, sim! Partidos como órgãos de poder paralelo, não! E partidos como órgãos de poder ditatorial, três vezes não!"(2)

Nos Estados Unidos não existe esse caso caricato do Presidente "consultar os partidos" nem o aberrante sistema de, quando sai um Primeiro Ministro, o lugar ser ocupado por um senhor que nem foi eleito e simplesmente é o chefe dum partido, cargo que ainda nem ocupava quando, em eleições gerais, esse partido foi o mais votado. Para corrigir essa anti-democrática aberração e, depois de já ter publicado numa revista universitária uma "Proposta de Alterações à Constituição"(3), publiquei um aditamento sobre a eleição do Primeiro Ministro(4).

Era bom que Portugal aprendesse o que é democracia e fosse capaz de eleger - livremente - uma Assembleia da República que fosse o autêntico órgão legislativo e não desse o espectáculo triste que vimos durante estes quatro anos e meio, com uma maioria parlamentar completamente subserviente do governo, fazendo tudo o que este queria e onde nos debates os seus correligionários se limitavam a louvaminhar esse mesmo governo.

(1) Mota, M. - São necessárias maiorias absolutas? Linhas de Elvas de 3-2-2005

(2) Mota, M. – Partidofobia e partidocratite. Expresso de 27-10-1979

(3)Mota, M. - Proposta de Alterações à Constituição da República Portuguesa, INUAF Studia, Ano 2, Nº 4, Pag. 135-147. 2002

(4) Mota, M. - A eleição do Primeiro Ministro. Jornal de Oeiras de 7-6-2005

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