25 de julho de 2011

A nova equipa na Agricultura - 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11

Publicado no Linhas de Elvas de 7 de Julho de 2011

Depois de vários anos a ser destruída pelos governos - com o máximo de intensidade dessa destruição durante o primeiro governo de Sócrates - a agricultura vê, com o novo governo, o Ministério da Agricultura com uma equipa totalmente nova. Dadas as referências feitas à importância da agricultura durante a campanha eleitoral, pode haver alguma esperança de que o novo governo inverta totalmente a criminosa destruição efectuada até agora e que é em parte responsável pelo estado miserável da nossa economia e das nossas finanças, com o alto défice e a dívida colossal.
Sobre o que vai suceder só poderemos ter uma ideia precisa quando se iniciarem os actos de governação. Para já, apenas temos o que está escrito no Programa do XIX Governo, sobre o qual me permito elaborar alguns considerandos.
Começarei por referir uma frase, aliás anterior ao capítulo dedicado à agricultura, mas que pode ter grande importância para o sector: "Revitalização dos laboratórios do Estado das áreas industriais e agro-industriais".
Está há anos em vigor em Portugal uma lei, não escrita mas religiosamente seguida, que manda destruir toda a investigação científica do estado que não seja das universidades. Só pode ter sido originada por alguns medíocres que também existem e eu, como professor universitário não o posso tolerar, como já o declarei publicamente. Com base nessa lei, muito já se destruiu, sem tal ser declarado, mas com pretextos falsos e mais que hipócritas. Dum escrito publicado em 2003 permito-me transcrever:
"Quando a Laboratórios do Estado, com grande curriculum científico e grandes contribuições para o progresso do País, se reduz o seu pessoal; se lhes cortam os meios de trabalho (chegando ao cúmulo dos cúmulos de suprimir a assinatura de quase todas as revistas científicas!); quando se nomeiam chefias de escassos curricula e capacidades ou que para ali vão para que a instituição não progrida, numa espantosa inversão de valores; quando os ministros e secretários de Estado que os tutelam (de várias cores políticas) ostensivamente fazem por "esquecer" que eles existem; quando se desviam verbas avultadas a eles destinadas, para fazer outros laboratórios a quem se dá tudo e mais alguma coisa e depois se entregam, em comodato, a outro ministério; quando avaliações externas, encomendadas pelos governos denunciam erros (aliás elementares!) e esses mesmo governos, em vez de os corrigirem, os agravam enormemente, será possível "responder a desafios", a que, aliás, antes deste "excelente tratamento" muito bem respondiam? Tais actos de destruição custaram ao País fortunas fabulosas e as consequências são continuarmos a ser um país pobrezinho e na cauda da Europa."
Se aquela frase do Programa do governo significar o fim dessa destruição e o início da sua reconstrução - tão necessária ao futuro do país! - considero que o governo está no caminho certo e poderemos ter esperança de que os sectores afectados, a agricultura e outros, passarão a dar à nossa economia uma muito maior contribuição.


Publicado no Linhas de Elvas de 14 de Julho de 2011:

A história dos grandes laboratórios de investigação científica do estado, fora das universidades, começa em Novembro de 1936, com a criação da Estação Agronómica Nacional. Graças ao génio dum jovem agrónomo, o Prof. António de Sousa da Câmara,e um Ministro da Agricultura, o Dr. Rafael Duque, que compreendeu o que era fundamental para desenvolver a agricultura portuguesa, iniciou-se algo que serviria de modelo a tudo o que, no campo da investigação científica se viria a criar alguns anos depois. Foi, também, criada então a carreira de investigador científico, paralela da carreira docente universitária.
Instalada provisoriamente no Mosteiro dos Jerónimos, em breve se transferiu a Estação Agronómica para uma quinta e edifício próprio, em Sacavém, sempre funcionando como um bom instituto de investigação, como é possível ver no volume comemorativo dos 50 anos, publicado em 1986. Nas décadas de 1950-1960, porque a SACOR necessitou de expandir as suas instalações, em Sacavém, para os terrenos da Estação, foi adquirida a parte Norte da Quinta do Marquês, em Oeiras, e construídos novos edifícios. Dez anos depois da EAN e decalcado dela (embora tivesse podido não sofrer algumas das limitações da EAN) foi criado um outro grande laboratório, no Ministério das Obras Públicas, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC).
Entretanto, em 1942, nasceu em Elvas uma outra instituição, dedicada a uma specialidade da investigação agronómica, a Estação de Melhoramento de Plantas(EMP), cujo objectivo era a obtenção de melhores variedades de plantas, nomeadamente de cereais e de forragens. Algumas outras instituições foram criadas posteriormente, como o Laboratório de Física e Energia Nuclear e o Instituto Nacional de Investigação Industrial.
Considerando os três primeiros desses institutos (EAN, EMP e LNEC), de que tenho mais informação, o que deram ao país, não só em produção científica e prestígio internacional, mas também em resultados económicos, foi muitas vezes o que o estado neles investiu. A destruição que sofreram, ao longo dos últimos anos (em obediência à "lei", referida no artigo anterior, que manda destruir toda a investigação ientífica pública que não seja das universidades) e que faz deles hoje uma sombra do que foram,causou ao país uma perda incalculável que, em termos económicos, se expressa no nosso miserável PIB e, consequentemente, das receitas do estado. Se, em vez da destruição desses grandes repositórios de "know how" (e fontes da agora tão apregoada inovação), eles tivessem continuado ao seu ritmo anterior (ou, mais desejável, até com algum aumento), Portugal não estaria nos actuais e tão graves apuros financeiros e económicos.
Em próximos escritos direi o que, na minha opinião, deve ser feito para recuperar,o mais cedo possível, do atraso causado pelos últimos governos. Naturalmente, apenas referirei os casos da investigação agronómica, aqueles em que é minha obrigação ter alguma competência. Como, para desenvolver a agricultura, eu considero que, além da investigação agronómica é também necessário um bom serviço chamado, internacionalmente, de extensão agrícola (ou extensão rural), cuja função é levar até ao agricultor os conhecimentos de que necessita e, nomeadamente, aqueles que vão sendo criados pela investigação, a ele dedicarei algumas linhas. Acontece, até, que para esse serviço existe um caso bem quantificado que mostra os fabulosos juros que rendem (até para o orçamento do estado!) os dinheiros nele investidos. Infelizmente, porque as chefias nunca quiseram pôr em prática a proposta que fiz há mais de cinquenta anos na EMP (ver "Linhas de Elvas" de 25 de Agosto de 2000), é difícil encontrar mais do que estimativas do que rendem os investimentos na investigação agronómica, igualmente fabulosos.


Publicado no Linhas de Elvas de 21 de Julho de 2011:

Do Programa do XIX Governo Constitucional transcrevo:
"Objectivos estratégicos
Agricultura
- Aumentar a produção nacional com vista a contribuir para a auto-suficiência
alimentar medida em termos globais, ou seja, em valor;
- Aumentar o rendimento dos agricultores, condição essencial para a atracção
de jovens para a agricultura e factor crucial para obter transformações rápidas e
duráveis neste sector;"
Totalmente de acordo com tais objectivos. Se os governos das últimas décadas tivessem tido esses objectivos e os cumprissem, a situação económica e financeira de Portugal seria hoje completamente diferente. Como sabemos - e há anos que, repetidamente, o venho denunciando - têm actuado no sentido oposto. E só não acabou ainda a agricultura em Portugal - como alguns têm apregoado e vários o desejam - graças a um número apreciável de agricultores que, não graças ao Ministério da Agricultura, mas apesar dele, têm continuado a lutar e, nalguns casos - não muitos, infelizmente - até com bom êxito. O país talvez não se aperceba, graças à intensa propaganda contrária, do que a agricultura contribui para as exportações portuguesas e é muito significativo.
Ao longo dos tempos e baseado em vários bons exemplos, nacionais e estrangeiros, tenho mostrado quais são as duas alavancas necessárias para transformar uma agricultura pobre, atrasada e pouco competitiva numa de grande nível e dando à economia do país uma contribuição bem maior do que dá hoje. A primeira dessas alavancas é uma investigação agronómica de alto nível e grande amplitude, que constantemente descubra a forma de fazer melhor agricultura, no seu sentido mais lato. É ela a fonte da agora tão apregoada "inovação", uma palavra que os nossos políticos começaram a usar quando "lá fora" se começou a falar, em inglês, de "innovation".
Se na indústria ou na saúde é importante o país ter investigação científica, na agricultura ela é absolutamente necessária. É possível construir em Portugal automóveis, televisões ou telemóveis com tecnologia estrangeira. Mas, pelas diferenças específicas da combinação solo e clima, a agricultura exige experiência local e a importação directa da técnica estrangeira pode dar casos de verdadeiro desastre, como logo após o 25 de Abril aconteceu. O facto de qualquer melhoria, mesmo pequena, ser aplicada a uma vasta área, causa na produção aumentos de tal montante que até o orçamento do estado colhe, sobre esse aumento, bem mais do que ali investiu. Enquanto a melhoria for aplicável, o aumento de rendimento líquido, para o agricultor e os impostos sobre esse aumento, para o estado, continuam a verificar-se, muito depois do gasto inicial. É esse o caso do único exemplo de que tenho conhecimento haver dados quantitativos dos resultados da investigação agronómica. Uma doença das vinhas do Douro chamada "maromba", que causava nas videiras muito pouco desenvolvimento e produções baixas, foi estudada na Estação Agronómica Nacional, então ainda em Sacavém. Eliminadas as possibilidades de um agente patogénico (fungo, bactéria ou vírus), foram investigadas as deficiências minerais e descobriu-se que era causada por uma deficiência de boro, um dos elementos químicos de que as plantas necessitam em quantidades muito pequenas mas que, quando faltam, causam perdas elevadas. Definida a terapêutica a aplicar, as videiras passaram a ter o seu desenvolvimento normal e aumentou a sua produção de uva. Como a Casa do Douro tem as vinhas e as suas produções todas catalogadas, contou-me o Director de então, o Eng.º Agrónomo Orlando Gonçalves, que a melhoria representava, para a viticultura do vinho do Porto, mais 28.000 a 30.000 contos por ano. O orçamento da Estação Agronómica era, nessa altura, da ordem dos 15.000 contos. E, note-se, essa melhoria continua e façam as contas para saber quanto colhe hoje o Douro como consequência desse investigação.

Publicado no Linhas de Elvas de 28 de Julho de 2011

Continuando a referir alguns casos que demonstram o que a investigação agronómica pode fazer para transformar a agricultura e a nossa economia, lembro que um dos casos em que é mais fácil contabilizar os resultados económicos é o melhoramento de plantas. É fácil de contabilizar porque o problema se limita, geralmente, a substituir uma variedade por outra da mesma espécie e, portanto, basta comparar os lucros obtidos com a variedade nova, em comparação com os da que ela foi substituir, por ser mais produtiva ou ter características que a tornem mais valiosa.
A Estação de Melhoramento de Plantas, em Elvas, criada, como referi, em 1942, centrou os seus trabalhos principalmente em cereais e forragens. Lançou na lavoura o seu primeiro trigo, o 'Pirana', na década de 1950. A sua produtividade, superior à das variedades que substituiu, fizeram com que rapidamente se expandisse, principalmente no Alentejo. Não disponho de números da área cultivada com essa variedade nem de quanto, em média, valia mais a sua produção, mas é certamente um número muito alto. Porque provavelmente muitos não sabem a razão do nome desse trigo, penso que talvez valha a pena contar a sua história. Quando foi criada, a Estação de Melhoramento de Plantas recebeu sementes de cruzamentos de trigos feitos ainda em Belém pelo Prof. João de Vasconcelos, alguns, creio que em 2ª geração, em Genética designada por F2. Em Elvas, além de novos cruzamentos, foram também estudadas as gerações seguintes desses trigos que logo que eram seleccionadas algumas que mostravam suficiente uniformidade e, aparentemente, mais valiosa produção, entravam em ensaios, no Departamento que se designava de Adaptação e Multiplicações. O Eng.º Agrónomo António José Sardinha de Oliveira, um técnico de alto nível, professor na Escola de Regentes Agrícolas de Évora, era possuidor de duas herdades em Monforte, onde fazia ensaios vários. Procurando ensaiar novos trigos, pedia à Estação de Melhoramento de Plantas sementes das linhas consideradas prontas para ensaios de produção. Considerando que na sua zona tinham provado bem o Mocho de Espiga Branca (uma variedade portuguesa antiga) e o Mentana (um trigo de origem italiana) pensou que um híbrido entre essas duas variedades poderia ter vantagens e levou para ensaios algumas linhas resultantes desse cruzamento. Nos ensaios a que procedeu, uma linha se mostrou mais produtiva, pelo que a multiplicou e cedeu semente a agricultores da região, que logo ampliaram a sua área de cultura. Passou a ser conhecido, entre eles, pelo "trigo do Pirana", alcunha do Sr. José Pires Reigota, o feitor de confiança do Eng.º Sardinha de Oliveira, que com tanto carinho lhe tomava conta dos ensaios. Quando a Estação oficializou o trigo e havia que lhe dar um nome, foi Pirana o que se considerou adequado.
Outros trigos se lhe seguiram (Lusitano, Restauração e depois, muitos outros ). Das variedades de forragens, recordo o Grão da Gramicha, um Lathyrus que também teve grande expansão. Não sei se ainda é cultivado.
Em 1967, na celebração dos 25 anos da Estação de Melhoramento de Plantas, o então Secretário de Estado da Agricultura, falando do que a lavoura tinha recebido a mais com a cultura das variedades criadas na Estação, apresentou um valor estimado de cerca de um milhão de contos. Citando de memória, tenho ideia de ele ter referido que o total de gastos durante esse período teria sido de 25.000 contos, mas não tenho a certeza. De qualquer forma, a desproporção entre os dois valores é enorme e representa um investimento a render juros que os nossos economistas não sabem que existem, mas são reais.
Dum caso mais recente, lembro a magnífica uva D. Maria, sobre a qual já tenho escrito, resultado do trabalho, do meu colega José Leão Ferreira de Almeida, na Estação Agronómica Nacional, em Oeiras.

Publicado no Linhas de Elvas de 4 de Agosto de 2011

Depois de ter referido - apenas - alguns exemplos do que faz a investigação agronómica para mudar uma agricultura atrasada, e os fabulosos juros que rende, até para o orçamento do estado, quero indicar algo sobre o que considero a segunda alavanca para efectuar essa mudança. Trata-se do serviço do Ministério da Agricultura que tem por missão levar até aos agricultores os conhecimentos de que carecem e muito especialmente os resultados da investigação, de forma a que deles se tire o máximo partido e que não demore o tempo entre a investigação e o seu aproveitamento pela lavoura. Esse serviço tem hoje no mundo o nome de extensão agrícola ou, mais propriamente, extensão rural, pois o seu âmbito abrange todo o sistema rural, ou seja, das zonas onde a actividade principal é a agricultura. O nome teve origem no serviço que, com esse nome, foi criado em 1914 no Ministério da Agricultura dos Estados Unidos.
Trata-se dum serviço independente do de investigação (as características, metodologias e exigências são diferentes) mas que com ele deve ter boa articulação. (Em tempos tive ocasião de presidir à organização do I e do "II Simpósio Nacional sobre a Articulação entre a Investigação e a Extensão na Agricultura", o primeiro na Estação Agronómica Nacional, em Oeiras, em 1997 e o segundo na Universidade de Évora, em 1998).
No Programa do actual governo há algo que me preocupa. Transcrevo:
"O acesso a informação relevante é também uma preocupação central do Governo, que se empenhará em assegurar um apoio técnico, permanentemente disponível e actualizado à produção agrícola a florestal, e a dar uma resposta aos agricultores concentrada e mais próxima, o que passará também por uma transferência gradual de serviços de rotina para as Associações de Agricultores."
Se é óptimo saber que o "Governo se empenhará no apoio técnico", a proposta de transferência "para as Associações de Agricultores" é preocupante. Há aqui o que considero uma certa confusão entre o que deve ser um serviço de extensão rural do Ministério e o que são os serviços técnicos que as associações de agricultores devem ter. O PSD já cometeu esse erro, com as piores consequências, como se viu. Erro que muito contribuiu para o PSD perder as eleições de 1995. Espero que o problema seja reanalisado e seja compreendido o que é e o que rende - até ao orçamento do estado - um bom serviço de extensão rural. No próximo artigo mostrarei esses valores com o único caso que conheço, bem documentado e quantificado.

Publicado no Linhas de Elvas de 11 de Agosto de 2011

Portugal tem alguns casos pontuais de elevado nível em matéria de extensão rural. Podemos considerar, em tempos muito antigos, que a acção dos monges de Cister, no Mosteiro de Alcobaça foi um trabalho de extensão rural. A sua acção de desenvolvimento da agricultura da região foi magistralmente descrita por esse grande agrónomo e silvicultor que foi Joaquim Vieira Natividade, que lhes chamou "os monges agrónomos do mosteiro de Alcobaça" e bem demonstrou a importância da sua missão, terminando uma conferência sobre esse tema com uma famosa frase: "E eu, que tão bem conheço as agruras da profissão, ainda hoje não sei se eles eram santos por serem agrónomos, ou se eram agrónomos por serem santos...".
Já no século XX tivemos a acção dum outro agrónomo ilustre, João da Mota Prego, que entre a literatura que nos deixou se encontra a "Biblioteca dos meus Filhos" uma série de 7 livrinhos (um outro nunca chegou a ser editado), com magníficos ensinamentos, em forma romanceada, em estilo que tem sido correctamente comparado ao de Júlio Dinis, e em que os protagonistas são sempre jovens que na agricultura atingem bons níveis de êxito. Dele disse um dia o Professor de Agronomia Sertório de Monte Pereira: "Mota Prego é uma medida de fomento. Mandá-lo para um sítio é desenvolver a faculdade económica da região". Não conheço melhor forma de definir o agrónomo da extensão.
Alguns outros casos pontuais, como o do Eng.º José Mira Galvão, que durante muitos anos dirigiu a Brigada Técnica de Beja, que nos deixou uma série de folhetos de divulgação e cujo prestígio na região era muito grande. Alguns outros casos existiram ou existem, mas o Ministério nunca teve esse serviço organizado e com a amplitude que considero necessária. Depois do 25 de Abril até foi criada uma Direcção-Geral de Extensão, mas... não era para fazer extensão, pois isso era tarefa de outros serviços!
Não conheço qualquer descrição do valor monetário consequente desses trabalhos. O único caso de extensão rural, bem documentado e quantificado de que disponho ocorreu entre 1958 e 1971. À semelhança do que já tinha feito em França e em Itália, a companhia Shell contratou um engenheiro agrónomo e colocou-o num concelho, para o caso Sever do Vouga, não para vender os produtos da Shell, mas para fazer extensão rural, embora nunca usasse esse termo, provavelmente para não criar problemas com os serviços oficiais. O técnico escolhido foi o Eng.º Reinaldo Jorge Vital Rodrigues, meu colega de curso, um agrónomo de elevada competência e rigor, que aliava a uma boa clínica geral, uma especialização em economia agrária, pois tinha trabalhado algum tempo no grupo do Prof. Henrique de Barros.
Começou a sua actividade realizando uma detalhada monografia do concelho de Sever do Vouga, uma zona de extremo minifúndio, com explorações de muito pequena dimensão e muitas delas compostas por várias parcelas de pequena área, raramente adjacentes. Isso tornava o trabalho muito difícil porque, além do baixo nível de escolaridade da maioria dos agricultores, quando o Eng.º Vital Rodrigues convencia um a agricultor a alterar a técnica usada, passando a usar uma mais rendosa, isso era aplicável a uma área pequena, frequentemente uma fracção de hectare. A sua acção junto dos agricultores foi tendo cada vez mais aceitação e, naturalmente, cada vez mais agricultores seguiam as suas indicações e ia crescendo, a cada ano que passava, o valor acrescentado no total da agricultura do concelho.
Anualmente, era publicado um Relatório desse trabalho em que eram relatadas as melhorias obtidas, a área a que tinha sido aplicada e o valor em escudos das melhorias conseguidas nesse ano. A análise desses resultados terá de ficar para um próximo artigo.

Publicado no Linhas de Elvas de 18 de Agosto de 2011

Durante o tempo que durou a chamada "Experiência Agrícola de Sever do Vouga", todos os anos a Shell publicava um Relatório elaborado pelo Eng.º Vital Rodrigues em que, além de descrever os trabalhos por ele realizados, dava os elementos económicos resultantes da sua actividade, considerando as despesas e os aumentos de rendimento líquido para os agricultores resultantes da sua acção, nesse ano. Num Quadro e num gráfico eram apresentados os resultados até esse ano. O total desses resultados são apresentados no Quadro I e graficamente na Fig. 1, extraídos do Relatório de 1971, o último ano da Experiência. Como se pode ver, o crescimento das despesas foi relativamente lento, ao passo que o aumento do rendimento líquido para os agricultores mostrou um crescimento muito acelerado, consequência do aumento de confiança nos conselhos do Eng.º Vital Rodrigues e do que viam das mudanças que iam sendo efectuadas.
No ano de 1958, aliás, incompleto, as despesas foram apenas 131 contos e, obviamente, não houve qualquer aumento de rendimento líquido para os agricultores. Em 1959 a despesa foi de 186 contos e os aumentos de rendimento líquido para os agricultores foram modestos, apenas 130 contos, inferior às despesas. Mas, enquanto a curva das despesas (a linha tracejada) crescia muito lentamente, a curva dos aumentos de rendimento líquido para os agricultores (a linha a cheio) mostrava um crescimento muito acelerado. Em 1960, para uma despesa de 196 contos, os agricultores tiveram um aumento de rendimento líquido de 280 contos. As duas linhas continuaram a divergir grandemente e em 1971, para uma despesa de 388 contos, o aumento de rendimento líquido para os agricultores foi de 9.119 contos, 23 vezes a despesa!
No gráfico da Fig. 1, relativo aos números do Quadro I, há uma grande subida nas receitas de 1966, com o que parece ser um decréscimo para o ano seguinte. Na realidade, pode ver-se que o "pico" de 1966 é uma anomalia (neste caso benéfica...) numa curva perfeita de crescimento contínuo. O Eng.º Vital Rodrigues explicou-me que isso se deveu a ter, nesse ano, levado alguns agricultores a usarem motosserras para o abate de árvores (Sever do Vouga tem uma grande componente florestal), o que causou uma melhoria extraordinária da produtividade do trabalho. Naturalmente, nos anos seguintes já não contabilizou os ganhos resultantes dessa acção, mas o benefício, tal como referi para a solução da doença da "maromba" nas vinhas do Douro, continuou no futuro.
Penso que se pode dizer, como Sertório de Monte Pereira disse de Mota Prego, que Vital Rodrigues era uma medida de fomento. Mandá-lo para uma região era ter a certeza de que a agricultura dessa região se iria desenvolver.




Publicado no Linhas de Elvas de 25 de Agosto de 2011

Este longo arrazoado pareceu-me necessário para mostrar quais os tipos de acções que, na minha opinião, será necessário que o Ministério faça para desenvolver a agricultura portuguesa. Os aumentos dos ganhos de rendimento para os agricultores são aumentos do nosso miserável PIB. Os casos referidos como exemplos, tanto da investigação agronómica como da extensão rural foram exemplos pontuais. Certamente chegam para mostrar qual o caminho a seguir, para transformar a nossa agricultura numa muito mais eficiente, competitiva e dando ao país mais do que dá hoje, embora os nossos economistas façam esforços desesperados para convencer os portugueses de que ela pouco vale. Em vários artigos no "Linhas de Elvas" e noutros jornais tenho denunciado casos dessa nefasta acção, que tanto tem contribuído para a pobreza nacional.
O caso de Sever do Vouga refere-se apenas a um concelho. Imagine-se como bem melhor estaria o nosso PIB se tivéssemos tido, para todo o país, ao longo destas décadas, um Ministério da Agricultura a funcionar eficientemente, em vez de ter andado a destruir a agricultura! As diferenças no nosso PIB seriam espectaculares e talvez nem houvesse défice orçamental nem dívida soberana!
Assim, a receita a aplicar para conseguir a desejada transformação e independentemente de outros casos que a ajudem, será uma reactivação tão rápida e eficiente quanto possível, dos serviços de investigação agronómica e de extensão rural.
Em data que deve ter sido cerca de 1967, o Eng.º Vital Rodrigues fez uma conferência na Ordem dos Engenheiros, em sessão presidida pelo Prof. Henrique de Barros, que tinha sido o nosso Professor de Economia Rural, em que relatou o que já realizara em Sever do Vouga e mostrou o gráfico, até essa altura, que incluí no artigo anterior. Numa intervenção no debate que se seguiu lembrei que, apresentando a relação receitas/despesas e comparando-a com a percentagem do PIB que o estado recolhe em impostos, podia ver-se o fabuloso investimento que o estado fazia com um serviço de extensão. Considerei, nessa altura, que o estado recolhia, em impostos, 20% do PIB. Assim, se o estado fizer uma despesa de um escudo que cause no PIB um aumento de 5 escudos, recolhe, nos impostos, integralmente, aquilo que investiu. E se o aumento fosse de 10 escudos (nesse ano de 1967 as receitas foram quase dez vezes a despesa), o escudo vinha acompanhado dum juro de 100%.(1)
Actualmente o estado cobra mais de 30% do PIB. Se cada escudo (agora euro) investido causar no PIB um aumento de três vezes esse valor, o escudo volta, ao fim dum ano, integralmente para os cofres do estado. Se causar um aumento de seis escudos, o escudo (ou euro) seria recebido com 100% de lucro. Mas, como se pode ver no Quadro I e na Fig. 1 do artigo anterior, os resultados de 1971 deram aos agricultores 23 vezes o valor das despesas efectuadas. Deixo aos leitores a tarefa de calcular os juros de tal investimento. Recordo-me de, há anos, ter lido num Relatório do Laboratório dos Produtos Florestais, em Madison, no Wisconsin (um dos grandes laboratórios do Serviço de Investigação Agronómica do Ministério da Agricultura dos Estados Unidos), que o governo dos Estados Unidos recebia, em impostos sobre as melhorias resultantes dos trabalhos desse Laboratório, 9 dólares por cada dólar ali investido.
Como já há muito sugeri, o país precisa, para recuperar do atraso e da destruição dos últimos anos, e para desenvolver a sua agricultura, dum Plano Intensivo de Investigação Agronómica e de Extensão Rural. Num artigo próximo tentarei pormenorizar um pouco a forma de executar esse Plano.

(1) Mota, M. - A rentabilidade dos serviços de agricultura. III - a Extensão, Jornal do Comércio de 16 de Julho de1969 e em Problemas da Investigação Científica. Problemas da Agricultura, pag. 258-262. Lisboa, 1969(Continua)

Publicado no Linhas de Elvas de 1 de Setembro de 2011

Com as restrições orçamentais do momento, é provável que o Plano Intensivo de Investigação Agronómica e de Extensão Rural, que considero necessário para transformar a nossa agricultura, tenha de ser feito com "a prata da casa", ou seja, com os restos de competência que ainda existem no Ministério da Agricultura, depois dos anos dum verdadeiro plano intensivo de destruição, que repetidamente tenho denunciado. Dada a situação de descalabro em que foram postas as finanças portuguesas, é pouco provável que venha a ser possível que o orçamento dê mais verbas para o incremento da Investigação e da Extensão. Talvez seja possível recorrer a algumas fontes de financiamento externas, como a NATO, algumas fundações, etc. A União Europeia (UE), através da sua Política Agrícola Comum (PAC), depois dum excelente começo, ainda apenas com seis países e o nome de CEE, graças à acção do ilustre agrónomo holandês Sicco Mansholt e onde uma parte das verbas era dedicada à Investigação Agronómica, começou, a certa altura, a cometer uma série de graves e elementares erros de economia. Um deles foi reduzir progressivamente as verbas destinadas à Investigação Agronómica, com grande prejuízo para a economia da UE. Era bom que a Comissão Europeia compreendesse o que isso representa para a economia de Portugal e da UE, invertesse a situação e destinasse uma fracção da PAC, do que gasta em subsídios, para a Investigação, que renderia muito mais. Até essa alteração, será de tentar que o Comissariado para a Ciência, que tem devotado pouco dinheiro para a Investigação Agronómica, possa ser fonte de financiamento para o nosso Plano.
Em matéria de pessoal, procurar entre os técnicos superiores os que tenham aptidão para a investigação, para passarem a integrar as equipas do Plano. O mesmo se deve fazer em relação a pessoal auxiliar que, mesmo não tendo qualificações específicas para esse tipo de trabalho, em breve fará a sua formação no local, como em tempos antigos sempre sucedeu. Quando, há muitos anos, assumi a chefia do Laboratório de Citogenética da Estação de Melhoramento de Plantas, os auxiliares então contratados não tinham qualquer experiência daquele tipo de trabalhos. Algum tempo depois eram já peritos, não só nos trabalhos de campo mas também no laboratório, na execução de preparações para o estudo de cromossomas, etc. Se um investigador puder dispor de suficiente número de auxiliares, o seu trabalho renderá certamente mais.
O Plano será dividido em duas secções, uma para a Investigação Agronómica e outra para a Extensão Rural. A da Investigação Agronómica será composta por um certo número de Programas, cada um com um coordenador, que definirá as principais matérias e aglutinará, a nível nacional, os Projectos que estiverem em curso.
Em cada Programa será dada prioridade, tanto quanto possível, aos projectos que possam dar resultados a curto prazo. Nas diferentes culturas e pelo facto de muitos produtos que importamos serem de espécies anuais, é de esperar que, especialmente com boa actividade da Extensão, se possam colher resultados a curto prazo, mesmo dentro da legislatura. Ao contrário de ilustres economistas, que têm declarado que a única forma de melhorar a balança comercial (e os seus efeitos no défice orçamental) é exportando mais, eu sei que, se não tivermos de importar produtos que aqui temos obrigação de saber produzir, temos o mesmo efeito e é mais simples porque só depende de nós.

Publicado no Linhas de Elvas de 8 de Setembro de 2011

O limitado espaço destes artigos não permite oferecer mais do que alguns tópicos do proposto Plano Intensivo de Investigação Agronómica e de Extensão Rural. Tal como em relação à secção de Investigação, não é possível dar mais que umas breves referências a alguns pontos do que está gizado para a Extensão. Para esta, considera-se que o número de Programas deve coincidir com o número de Regiões Agrícolas, em cuja sede ficará o Coordenador do Programa.
As unidades operacionais serão ao nível do concelho. A actividade a exercer é levar até aos agricultores os conhecimentos que lhe permitam melhorar a sua exploração, particularmente aqueles que vão sendo criados pela Investigação e sejam aplicáveis ao local. O Agrónomo Concelhio (um tanto à semelhança do County Agent americano) funcionará em parte do seu tempo - talvez um dia por semana - como consultor a que os agricultores se podem dirigir. Mas a sua acção deverá ir muito para além do que os agricultores pedem, levando-lhes, por variadas formas, os conhecimentos que considera mais relevantes e necessários. Para isso usará todas as formas de comunicação existentes, como palestras e demonstrações sobre temas específicos, publicações e cartazes (agora apelidados de "posters"...), artigos nos jornais regionais, visitas a explorações modelo, etc.
Está há muito provado que a melhor "ferramenta" da Extensão é a demonstração de resultados. Muito avisadamente, nada é mais convincente para um agricultor alterar a sua forma de explorar a terra do que ver os resultados daquilo que lhe sugerem. Há sempre alguns agricultores, normalmente os de mais alto nível, dispostos a colaborar nesses casos, aplicando na sua exploração, sob a orientação do Agrónomo Concelhio, alguns exemplos que servirão depois para mostrar aos outros, em visitas ao campo, como se faz e que melhores resultados se podem obter por qualquer alteração proposta. Muitas dessas alterações podem ser feitas e conseguir melhorias com baixos ou nenhuns investimentos de capital. O que relatei do trabalho do Eng.º Vital Rodrigues em Sever do Vouga é uma prova evidente. Esta é a forma de conseguir as alterações propostas no Programa do actual governo e de que transcrevo uma parte:
"- Aumentar a produção nacional com vista a contribuir para a auto-suficiência
alimentar medida em termos globais, ou seja, em valor;
- Aumentar o rendimento dos agricultores, condição essencial para a atracção
de jovens para a agricultura e factor crucial para obter transformações rápidas e
duráveis neste sector;
- Garantir a transparência nas relações produção-transformação-distribuição da
cadeia alimentar e promover a criação e dinamização de mercados de proximidade;
- Valorizar a inovação, o dinamismo e o conhecimento".

Publicado no Linhas de Elvas de 15 de Setembro de 2011

O Plano Intensivo de Investigação Agronómica e de Extensão Rural poderá ser comandado directamente pelo Secretário de Estado que hoje tutela esses serviços. Será conveniente que tenha dois Adjuntos, que o ajudarão, um na Investigação e o outro na Extensão. Será necessário criar o Instituto Nacional de Investigação Agronómica, que poderá ficar sediado na oficialmente extinta Estação Agronómica Nacional. Para ele transitarão os organismos que actualmente integram o INIA, com o seu pessoal, infra-estruturas e verbas. Os Coordenadores dos Programas de Investigação terão a sua sede nos organismos que mais intensamente se ocupem da matéria.
Uma tarefa importante da Extensão é a formação profissional, que se exercerá a dois níveis. O alto nível será a constante actualização dos agrónomos da Extensão, que poderá incluir pequenos estágios em organismos da Investigação. A outro nível, será a realização de numerosos cursos (como anteriormente se fazia) das técnicas que agricultores, empresários ou assalariados, necessitam, como de podadores, enxertadores, tractoristas, contabilistas, tiradores de cortiça, etc. Qualquer agricultura só será competitiva se dispuser de pessoal muito competente nas suas inúmeras tarefas.
Para o financiamento dos Programas e para além das fontes mencionadas anteriormente, eu gostaria de sugerir, e não apenas para Portugal, mas para todos os países da União Europeia (UE), que 20% do total das verbas que a PAC atribui para subsídios fosse destinada a ser gasta pelos ministérios da Agricultura em Investigação Agronómica e em Extensão Rural, sem qualquer comparticipação monetária dos governos. Se esta sugestão for aceite - e a menos que a burocracia da UE cause demoras no processo - seria bom que entrasse em vigor no início de 2012, já que não exige verbas adicionais e é apenas redistribuição das que são atribuídas aos países. Pelas razões que apresentei nos artigos anteriores, estou certo de que esse dinheiro é um excelente investimento para ajudar a economia da UE, contribuindo para o desenvolvimento e inovação da agricultura europeia, que se está a atrasar em relação à de alguns outros países.
Esta proposta que, repito, não exige mais verbas ao orçamento europeu, terá a vantagem de corrigir o que considero serem duas deficiências da UE. Uma é o já anteriormente referido caso da PAC ter deixado de financiar a Investigação Agronómica, de que depende toda a inovação. A outra é o facto de, nos esforços recentes da UE, para recuperar do atraso tecnológico em relação a alguns outros países, criando novas estruturas de investigação científica e das suas aplicações tecnológicas, como o Instituto Europeu de Tecnologia e outras, eu não ter notícia de que a Agricultura seja considerada. Para bem da economia dos países membros e consequentemente, da UE, considero urgente que seja considerada.
Na minha opinião, se a actual equipa ministerial da Agricultura quiser iniciar o Plano que sugeri, a economia, as finanças e o bem estar dos portugueses darão um grande passo em frente.

1 comentário:

Reinaldo Jorge da Mota Vital Rodrigues. disse...

É de lamentar que as "gentes" mais antigas, que viveram na época em que Eng.º Vital Rodrigues esteve no concelho de Sever do Vouga, raramente as suas memórias se lembrem do magnifico trabalho presado por aquele cidadão, vindo da cidade para o campo...; Para muitos não convém relembrar quem realmente fez algo que marcou para sempre o desenvolvimento agrícola no panorama nacional e internacional, não lhes convém sabe-se bem o porque... este pequeno comentário é escrito por mim, filho de Reinaldo Jorge Vital Rodrigues e Mª Patrocínia Machado Mota, e meu nome Reinaldo Jorge da Mota Vital Rodrigues.