12 de setembro de 2011

Destruir ciência de valor económico

Publicado no Expresso de 13 de Agosto de 2011

"Não me quero focar no passado, pois estou numa Secretaria de Estado virada para o futuro. Apenas direi que falhou a ligação entre a ciência e a economia" declarou ao "Expresso" (6-8-2011) o Secretário de Estado do Empreendorismo, Competitividade e Inovação Carlos Oliveira.
A criação dos grandes laboratórios de investigação científica do estado, fora das universidades, iniciou-se em Portugal em 1936, com o nascimento, no Ministério da Agricultura, da Estação Agronómica Nacional (EAN). Com ela foi estabelecida a carreira de investigação científica, paralela da docência universitária. Dez anos mais tarde, decalcado da EAN mas tendo podido livrar-se de algumas das suas limitações, foi criado, no Ministério das Obras Públicas, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC). Alguns outros laboratórios, segundo o mesmo modelo, apareceram mais tarde.
Considerando apenas a EAN e o LNEC, o que deram a Portugal, em ciência, em prestígio internacional e de contribuição para a economia, foi imenso, algo várias vezes o dinheiro nelas investido, o que equivaleu, para o estado, a um investimento a render juros que os nossos economistas mostram não saber que existem.
Há anos, foi estabelecida uma "lei", não escrita mas religiosamente seguida, que mandava extinguir toda a investigação do estado que não fosse das universidades. Isso foi sendo feito pela calada, passo a passo, cortando meios de trabalho - por exemplo, em 1985 foram cortadas quase todas as revistas científicas da Estação Agronómica - não substituindo o pessoal que se reformava ou deixava a instituição, desviando avultadas quantias a elas destinadas, etc. etc. e culminando com a vergonhosa legislação de finais de 2007. A EAN (oficialmente extinta, pois até o nome causava engulhos aos autores da famigerada "lei") e o LNEC são hoje uns míseros restos do enorme know how que foi destruído. As consequências para a economia foram terríveis e estamos agora na situação de que se queixa o Secretário de Estado. Situação que não existia há vinte ou trinta anos!
(Não sei se o Senhor Secretário de Estado já alguma vez comeu a uva 'D. Maria', uma uva branca, de mesa, com bagos muito grandes e gosto excelente, em tempos abundante nos mercados - agora a ressurgir novamente - que tanto deu à agricultura e, portanto, à economia portuguesa. E também não sei se saberá que ela resultou do trabalho de investigação agronómica realizado na EAN, em Oeiras, pelo meu falecido colega José Leão Ferreira de Almeida, que lhe deu o nome de sua mãe. Quantos casos como este, a darem boa contribuição para a economia de Portugal, deixaram de aparecer em consequência da criminosa destruição?)
O Senhor Secretário de Estado Carlos Oliveira mostra ter consciência do problema quando diz que "na agricultura queremos ter uma maior produção de produtos nacionais e ajudar a que eles sejam escoados para os mercados". É precisamente para revitalizar a agricultura - que tem andado a ser destruída nas últimas décadas - que a investigação agronómica é necessária, para que haja inovação. E para isso há que fazer o mais urgentemente possível a recuperação do que tem andado a ser destruído.

A negro o que foi cortado pelo jornal e substituído por (...)

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