28 de outubro de 2011

A espiral da descida

Publicado no Linhas de Elvas de 27 de Outubro de 2011

O aumento brutal dos impostos para a classe média vai certamente ter uma grande influência na economia e nas finanças de Portugal.
Eu sei que "classe média" é algo difícil de definir mas podemos considerar que é um leque muito vasto em que se incluem grupos, algo arbitrariamente delimitados, como baixa, média e alta. Estando acima da pobreza, pode-se convencionar que começa em quem tem o suficiente para, vivendo modestamente, conseguir ter casa (comprada com empréstimo ou arrendada) e um carrito em segunda mão. Um escalão um pouco mais alto já permite uma vida razoavelmente mais folgada, embora ainda não se possa dar a muitos "luxos" caros. Dentro da modéstia do nível de vida em Portugal, a classe média alta será composta pelos cidadãos que vivem folgadamente, sem preocupações de dinheiro para tudo o que desejam no dia a dia, sem atingir o nível dos grandes investimentos, aquisição de casas de muito alto preço, herdades, iates, etc., que seria já do nível dos "ricos". (Repito que isto é uma classificação arbitrária e subjectiva. Qualquer pessoa pode ter ideias diferentes).
Um corte de 5 ou 10% no nível de vida da classe média baixa pode causar sérios problemas, podendo levar à impossibilidade de satisfazer os compromissos assumidos e a penhoras dos seus bens. (Nível de vida expresso em dinheiro para despesas, sem considerar outros valores).
O que vai suceder como consequência da brutal perda de poder de compra que os portugueses têm estado a sofrer desde 2005 - lembro que a crise internacional só se iniciou na segunda metade de 2008 - e do que o actual governo promete para 2012, afectará de forma muito séria a nossa economia e as nossas finanças. O corte brutal no nível de vida da maior parte dos portugueses - a tal classe média - vai continuar a causar redução no consumo, nas receitas do estado e aumento do desemprego, com a consequência de baixar o nosso miserável PIB. Como sabemos, muitos dos índices financeiros, como o défice orçamental e a dívida, são expressos em percentagem do PIB. Qualquer descida do PIB agravará esses índices; uma subida, pelo contrário, será uma melhoria. (Lembro "E se fizessem crescer o PIB?", Jornal de Oeiras de 21-2-2006).
Não vi anunciadas quaisquer medidas concretas que façam subir o PIB, para além da ordem para trabalhar mais meia hora por dia, cujo valor total não sei qual seja. Ouvi várias vezes declarações de que "é preciso produzir mais" mas não chegou ao meu conhecimento "como" atingir esse objectivo. O aumento necessário deve incidir principalmente na agricultura, nas pescas e nas indústrias, que considero serem os sectores produtores de "riqueza de base", de que dependem o comércio e os serviços.
Não tenho competência para dizer o que deve ser feito nas pescas ou nas indústrias mas, na agricultura, estou farto de dizer e escrever o que considero fundamental para um significativo aumento da produção e não tenho conhecimento de que estejam em marcha as acções que preconizo. Como uma parte das importações de produtos agrícolas são de culturas anuais, a acção intensiva - mesmo só com o orçamento actual - que insistentemente tenho indicado, produziria resultados a muito curto prazo. Como é conhecido, é grande o desequilíbrio da balança comercial agrícola. Em números redondos, importamos cerca de 6 mil milhões de euros de produtos agrícolas e exportamos cerca de 3 mil milhões. Atenuar esse défice de 3 mil milhões teria múltiplas vantagens, como noutros locais tenho mostrado com algum pormenor.
Se o governo que só sabe cortar, cortar, cortar (e nunca nos grandes nem nos ruinosos contratos que já devia ter cortado cerce) não alterar esta política, como será 2013? Oxalá eu me engane e não seja a verdadeira catástrofe que é o que estas premissas me levam a concluir.

1 comentário:

Cisfranco disse...

Os políticos têm teorias na cabeça que sucessivamente têm vindo a experimentar, mas falta-lhes um saber de experiência de vida que possam transpôr para a governação.Não se vê nada que estes meninos estejam a fazer para inverter a trajectória há muito tempo traçada e que nos leva ao abismo. A produção nacional está aniquilada e não se vê nada que a faça ressurgir. Falta produção nacional na agricultura, nas pescas e toda a produção nacional feita nas pequenas e médias empresas para o consumo interno. Falam em exportação, exportação, muito bem, mas quantas empresas é que poderão atingir o nível que as possa abalançar a competir no mercado internacional? Entretanto vamos comprar ao exterior quase tudo(de certeza a maior parte) do que precisamos, visto que não temos produção nacional que faça esses produtos. O governo dum país, salvas as devidas proporções, é como o governo dum agregado familiar:compra-se no exterior só aquilo que não se pode produzir dentro desse agregado familiar. Se assim não for o orçamento não dá. Mas não, habituaram-nos e habituámu-nos a que não nos falte nada, mas não é do que nós produzimos, mas sim do que compramos no exterior e ainda por cima fiado. Vai para o rol. Nada disso. Assim não pode ser. O caminho do precipício segue sem interrupções...