1 de junho de 2007

Investigação Agronómica

Publicado no Linhas de Elvas de 10-5-2007

No suplemento de “Economia” do “Diário de Notícias” de 22-3-2007, numa extensa reportagem sobre o Ministério da Agricultura, diz-se, entre aspas, pelo que devem ser consideradas palavras do ministro, o seguinte: “A maioria dos laboratórios do Ministério da Agricultura faz prestação de serviços e não investigação. E a investigação, se não estiver ligada ao sector privado é uma investigação académica, sem transmissão de conhecimentos, e esta tem de se traduzir em benefícios para os empresários e os consumidores”.
Esta frase, na sequência de várias outras e dos actos de governo que tem praticado, vem confirmar a completa incapacidade do ministro para desenvolver a agricultura portuguesa, a finalidade e razão de ser – e bem necessária! – do seu ministério. Ela mostra ainda que ele nem sequer sabe o que o Ministério da Agricultura fez (antes de se iniciar a grande destruição dos seus componentes básicos) para transformar uma agricultura atrasada e ineficiente, batida nos mercados por todas as outras, numa excelente actividade económica.
(O que se pode pensar de qualquer ministro que, com todos os poderes do estado, declara que sem ajuda de privados os serviços sob o seu comando não funcionam bem! Está a passar a si próprio um atestado de grande incompetência. Quando isso se passa com um governo que se diz “socialista” e “de esquerda”... Bem sei que há muito o socialismo foi metido na gaveta, mas o partido continua a usar o nome e a declarar-se “de esquerda”).
Dos vários ramos da investigação agronómica, todos necessários para os bom resultados da agricultura, escolherei um em que é mais fácil ver e até medir os resultados de natureza económica: o Melhoramento de Plantas. Provavelmente são para ele desconhecidos os nomes dos trigos Pirana, Lusitano, Restauração e vários outros; os das forragens Grão da Gramicha, trevos da Pérsia Maral e Ferral, tremoços Acos, etc. ; os centeios tetraplóides que há anos se expandiram nas Beiras e em Trás-os-Montes; os milhos híbridos HB, HP, HV e HE, tudo isto resultado da investigação agronómica totalmente estatal e sem precisar da “muleta” de privados e que deram aos agricultores e à economia do país um valor certamente muitas vezes superior ao que o ministério investiu na investigação agronómica. Se o Ministério tivesse feito o que eu propus há muitos anos e que publiquei mais recentemente(1), disporia de valores concretos, certamente arrasadores para as palavras do ministro e para os Primeiros Ministros que não percebem o erro enorme que têm cometido (e que muito caro pagaram nas urnas) ao destruir a agricultura, principalmente minando-a pela base, ao destruírem a investigação agronómica.
Mas custa-me a crer que nunca tenha comido a uva ‘D. Maria’, essa excelente uva de mesa, branca, tão abundante nos nossos mercados. O que talvez também não saiba é que ela resultou da investigação agronómica estatal (sem muleta de privados a comandarem-na) realizada na estação Agronómica Nacional, em Oeiras, pelo meu infelizmente já falecido colega Eng.º Agrónomo José Leão Ferreira de Almeida, que a baptizou com o nome de sua mãe. Só os resultados desse trabalho, pela expansão que já tem na lavoura e pelo que produz a mais em relação às variedades que substituiu, pagam todos os anos, o que o estado investe na Estação Agronómica. Quantos casos mais como a uva ‘D. Maria’ deixaram já de dar dinheiro à agricultura e à economia portuguesa em consequência da destruição a que o Ministério da Agricultura vem procedendo nas últimas décadas e com enorme intensidade com o actual ministro! Como repetidamente tenho dito – mas parece que os portugueses não ouvem nem lêem – não são apenas os agricultores a sofrerem os resultados de tão nefasta acção. Os produtos agrícolas estrangeiros que inundam os mercados e que Portugal devia produzir, de melhor qualidade e a mais baixo preço, têm efeitos gravíssimos no PIB, no défice, na inflação, no desemprego e na balança comercial. Os nossos economistas, que tanto clamam pela necessidade de exportar mais, parece não compreenderem que muito mais fácil é não ter de importar produtos que aqui devemos ser capazes de produzir em boas condições, como batatas, cebolas, cenouras, alhos, alfaces, tomates, pimentos, feijão verde, melões, melancias, laranjas, limões, ameixas, pêssegos, nêsperas, maçãs, peras, uvas, morangos, etc. etc. etc. vindos, à vezes de bem distantes terras? O que considero o cúmulo dos cúmulos é encontrar à venda, nos nossos mercados, rabanetes vindos da Holanda, algo para que já chamei a atenção.
Talvez as palavras do ministro sobre a investigação ser “académica” resultem do facto de a investigação agronómica “também” produzir ciência básica, aliás necessária para que a de mais directa aplicação, aquela que, como eu costumo dizer, “dá mais batatas”, tenha a amplitude de resultados necessária. Por exemplo, quando eu publiquei uma nova teoria do movimento anafásico, pode considerar-se que é ciência básica. Mas o conhecimento desse fenómeno é importantíssimo para os casos de maior aplicação pois a produção de poliplóides e anfidiplóides (como o triticale) consegue-se suprimindo uma anafase. (A propósito, vale a pena dizer que essa teoria, apesar de largamente citada em artigos de revistas e até em livros texto de expansão internacional, apareceu, trinta anos mais tarde, “reinventada” por americanos).
Mas o que sucede com a investigação agronómica sucede com a investigação médica, com a qual tem grandes semelhanças, aliás frequentemente assinaladas por agrónomos e por médicos. E ninguém, em seu perfeito juízo, diria à investigação médica que se deixasse de querer saber como funcionam os mitocôndria do fígado e tratasse apenas de arranjar umas pílulas para curar doenças. Mas é algo semelhante que pessoas de mentalidade tacanha têm feito em relação à investigação agronómica.
(1) Mota, M. – “Da conveniência dum Gabinete de Estudos Económicos na Estação de Melhoramento de Plantas”, Linhas de Elvas de 25 de Agosto de 2000

2 comentários:

Madalena disse...

Parabéns!
Beijinhos
Madalena

Anónimo disse...

Aprendi muito