15 de março de 2008

Afinal, quem "ganhou" as eleições?

Publicado no “Linhas de Elvas” de 24 de Dezembro de 1997

Já era de há muito conhecido, no futebol, o "ganhar moralmente". Mas quando se trata de eleições, quaisquer que elas sejam, o problema é muito mais subtil. Nas autárquicas de 14 de Dezembro de 1997 a perplexidade atingiu níveis muito altos.

O PCP e o PP desceram de tal forma, em relação às eleições anteriores, que não tiveram remédio senão confessar a derrota, embora procurando algumas desculpas ou razões. Mas o PS e o PSD, qualquer deles apresentando "excelentes" argumentos, ambos clamaram vitória.

Cinco partidos conseguiram ganhar a presidência de câmaras municipais. E esses é que eram os lugares importantes em disputa. O que interessava mais que tudo era, em cada concelho, a presidência e, portanto, a maioria (absoluta ou não) da câmara municipal.

A soma do número de votos, a nível nacional, era muitíssimo pouco relevante. Até podia suceder um partido ter, a nível nacional, muito mais votos do que outro e ter muito menos câmaras que ele. Bastava que um perdesse por poucos votos em alguns concelhos muito populosos para que, mesmo ganhando mais câmaras em concelhos de menor população, ficasse com mais câmara e menos votos no total.

Por outro lado, o "número de câmaras" nada pesa no governo nacional que, como se sabe, depende da Assembleia da República. O PS “ganhou” porque ficou com 128 câmaras, enquanto o PSD teve apenas 127. Se essa votação fosse para qualquer posição, era o PS que a iria ocupar pois, dentro dos cânones da democracia, por um voto se ganha e por um voto se perde.

Mas, se a câmara de Machico, como foi anunciado em muitas previsões, já com a contagem adiantada, tivesse sido ganha pelo PSD, a posição era inversa, passando o PSD a ter 128 câmaras e o PS 127. Alguma coisa seria diferente no geral do País? Certamente não.

Também nada garante que quem votou num determinado partido nas autárquicas, vote no mesmo em eleições nacionais. Já repetidamente tenho chamado a atenção (mas os portugueses parece não quererem ver) que, no limitadíssimo sistema partidocrático em que vivemos, o pobre cidadão, dentro do seu limitado poder de escolha, limita-se a votar na lista cujo cabeça lhe parece "menos pior".

(Este sistema partidocrático é apenas um paupérrimo arremedo de democracia, já que ninguém pode escolher os cidadãos em quem delega o seu poder de decisão. Fica limitado a escolher entre as quatro ou cinco listas cozinhadas pelos chefes desses partidos, o que é uma "grande vantagem" em relação ao que havia antigamente, em que só se podia escolher uma)

Já dei exemplos desse facto ("Linhas de Elvas" de 14-VII-89) mas estas eleições autárquicas deram mais um e excelente exemplo do que é esta partidocracia que temos.

Foi o caso seguinte: um presidente de câmara, eleito pelo Partido Socialista (algo bem diferente de ser "socialista"...), numa ingénua honestidade (intolerável na partidocracia) declarou, creio que a uma estação de rádio, aquilo que toda a gente sabia, que "quem está com o governo, come; quem não está, cheira".

Com a habitual miopia partidocrática, o PS resolveu "castigar" esse seu autarca. E, dentro do sistema ditatorial-partidocrático em que vivemos, resolveu que ele não seria o candidato do PS a essa câmara. Custou caro, ao PS, a miopia!

O ex-PS concorreu na lista doutro partido, no caso o Partido Popular Monárquico (PPM). Podia ter sido qualquer outro! Como a população considerou que esse autarca era bom ou, pelo menos, melhor do que os outros candidatos, votou maioritariamente PPM!

Porque deu subitamente um desejo de monarquia nesses eleitores? Obviamente que não. Queriam lá saber disso! O que queriam era o seu antigo autarca e, se a maneira de o ter era votar "monárquico", votava-se monárquico!

E o PS ficou a chuchar no dedo!

Como prova da desgraça do sistema que nos impuseram, com uma Constituição que também nos impuseram, sem ser plebiscitada, não se pode ter melhor.

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* Investigador Coordenador e Professor Catedrático, jubilado.

CORRECÇÃO

O artigo "Afinal, quem "ganhou" as eleições?", publicado no "Linhas de Elvas" de 24 de Dezembro de 1997, tem um erro, da minha exclusiva responsabilidade que, no entanto, não afecta em nada as conclusões. Fala-se num "presidente de câmara eleito em 1993 pelo Partido Socialista" quando, na realidade, foi eleito pelo PP. Mas estava indigitado para ser candidato pelo PS às eleições de 1997. Por esse lapso - que, no entanto, como disse, em nada afecta as conclusões - apresento desculpas aos leitores e às entidades envolvidas.

Miguel Mota

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