15 de março de 2008

Cumprir a Constituição

Publicado no “Linhas de Elvas” em 12-7-2007:

Um dos males apontados ao regime anterior ao 25 de Abril era o facto de não serem cumpridos alguns dos artigos da Constituição de 1933, então vigente.

E agora? Temos uma Constituição que não foi plebiscitada, algo inadmissível em tempos actuais. Embora esteja cheia da palavra “democrática”, não se trata duma Constituição democrática, pois não dá aos cidadãos liberdade de candidatura e de voto nas eleições para a Assembleia da República, as mais importantes, pois são para o órgão legislativo máximo e donde emana o governo. Já mais de uma vez chamei a atenção para o facto(1, 2, 3) e propus a correcção a fazer(4). A única eleição democrática em Portugal é a do Presidente da República, pois os cidadãos são livres de se candidatarem e de votarem. A exigência dum certo número de apoiantes de cada candidatura está certa para evitar um excessivo número de candidatos em quem quase ninguém votaria. E o número de apoiantes duma candidatura, entre 7.500 e 15.000 eleitores (ou seja, aproximadamente 0,1% a 0,2%, já que são cerca de 8 milhões de eleitores) parece-me adequado, ao contrário de outros casos, nomeadamente autarquias(5), em que se exige um número que considero exagerado.

Vejamos o que se está a passar em relação ao cumprimento da Constituição.

Diz o Artigo 64º, na sua alínea 2a), que o serviço nacional de saúde deve ser “tendencialmente gratuito”. Não diz a Constituição com que velocidade se deve caminhar no sentido da gratuitidade nem em que ano deve ser atingida. Mas é bastante clara ao marcar uma “tendência”, sendo obviamente inconstitucional tudo que a contrarie. Assim, todas as medidas que vão ao arrepio dessa tendência, como o aumento de taxas, redução ou supressão de comparticipações ou serviços, etc. são inconstitucionais e devem ser imediatamente revogadas.

O Artigo 74º, que trata do ensino, declara, na sua alínea 2e), “Estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino”. Pelas mesmas razões acima aduzidas, os brutais aumentos das propinas, particularmente para mestrados e doutoramentos (a lei diz “todos os graus”) vão ao arrepio da tendência definida na lei e são igualmente inconstitucionais.

É muito bonito ter uma Constituição que alguns consideravam “a mais avançada da Europa”. O pior é que, como no antigamente, não é cumprida.

(1) Um bizarro conceito de democracia, Jornal de Oeiras de 16-5-2006

(2) A ditadura partidocrática em grande, Linhas de Elvas de 14-12-2006

(3) Continua em grande a ditadura partidocrática, Linhas de Elvas de 8-2-2007 e Jornal de Cascais de 10-4-2007

(4) Proposta de Alterações à Constituição da República Portuguesa, INUAF STUDIA Ano 2, Nº 4. Pág. 135-147. 2002

(5) Uma pequena janela democrática, Linhas de Elvas de 6-10-2005

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