15 de março de 2008

A Sedes, Pulido Valente e a Democracia

Publicado no Linhas de Elvas de 28-2-2008

O documento apresentado pela Sedes não fez mais do que chamar a atenção para um sentimento geral de frustração da grande maioria dos portugueses perante o maior corte de sempre no seu nível de vida, medido pelo poder de compra. Apenas duas excepções escapam a esse sentimento. Uma é a pequena minoria de privilegiados, que vêem os seus proventos cada vez maiores, num leque salarial em aumento e que é o maior da União Europeia. A outra é constituída pelos fanáticos que, sofram o que sofrerem, continuam sem raciocinar e aceitam como "verdades" o que a intensa propaganda lhes diz, acreditando que o governo é "socialista" e "de esquerda", duas clamorosas mentiras que os factos desmentem.

Foi enorme a descida do nível de vida da grande maioria dos portugueses nestes três anos. Aos aumentos de impostos (tão veemente negados na campanha eleitoral por quem agora acusa o PSD de faltar à sua palavra...) somam-se os aumentos de taxas de vários serviços públicos, a extinção de muitos outros para obrigar a pagar a privados, a redução, até em valor absoluto, de várias pensões de reformados, etc. A todos estes custos há que adicionar a supressão do que seriam as expectativas dos aumentos de vencimentos (certamente superiores à inflação e sem os quais não deixaremos de estar na cauda da Europa), além das promoções e subidas de escalão, normais até há alguns anos. Tudo somado, a perda do poder de compra deve ter ultrapassado os 20%.

Para os que têm um ordenado "razoável" (como três a quatro vezes a baixíssima média portuguesa) esse corte apenas sacrificou algumas conveniências. Mas, para os que já viviam com limites apertadíssimos, o corte ocasionou a impossibilidade de continuar a assumir os encargos considerados normais, como a prestação da casa. As consequências são as penhoras, as falências e até reduções drásticas no comércio, de que são bons indicadores o número de automóveis vendidos e as queixas dos comerciantes.

Vasco Pulido Valente ("Público" de 23-2-2008) faz uma correcta análise do documento da Sedes e da situação que se vive em Portugal. Mas, nem ele nem o documento, estranhamente, em particular para quem se queixava de na anterior ditadura não poder escolher livremente os seus legisladores e governantes, referem a ditadura partidocrática em que vivemos, com meia dúzia de ditadores a dizerem aos portugueses em quem é que eles têm "licença" de votar para o seu parlamento. E consideram o regime vigente uma "democracia" e como se houvesse "eleições livres".

O pessimista Pulido Valente conclui que "O destino de Portugal é, como sempre foi, apodrecer ao sol". Há 500 anos não era. Mas continuará a ser se os portugueses consentirem que os partidos sejam órgãos de poder ditatorial. Mais uma vez transcrevo as palavras com que terminei um artigo ("Partidofobia e Partidocratite") que publiquei no "Expresso" em 1979: "partidos como congregações de cidadãos com o mesmo credo político, sim. Partidos como órgãos de poder paralelo, não. E partidos como órgãos de poder ditatorial, três vezes não!"

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