Publicado no “Linhas de Elvas” de 4 de Janeiro de 2008
O que Ventura Trindade escreve sobre a “Declaração de Bolonha” (LE de 28-12-2007) parece-me exigir alguns esclarecimentos porque se estão a atribuir males a decisões de conjuntos de países (em que um deles é Portugal), quando são apenas fruto da incompetência de alguns portugueses de curta visão que, para mal dos nossos pecados, usurparam o poder nesta pobre terra.
Algo semelhante acontece com os que tentam atribuir à Politica Agrícola Comum (PAC) os males da nossa agricultura. Basta olhar para outros países da UE, sujeitos à mesma PAC, como a Espanha, para ver que o nosso atraso é apenas fruto de dirigentes incompetentes.
O que Bolonha veio dizer, em 1999, foi essencialmente o que eu tinha proposto publicamente (depois de várias e infrutíferas conversas) cinco anos antes(1) para corrigir os erros da legislação portuguesa de 1980 sobre o ensino superior. Em 1995, a propósito da criação da Escola Superior Agrária de Elvas, publicou o “Linhas de Elvas” um outro artigo meu(2) em que repeti e ampliei o que tinha publicado no ano anterior. Até sugeri que “Como na União Europeia existem grandes discrepâncias entre os diferentes países, considero que Portugal deveria propor para a Europa a adopção do sistema aqui esquematizado”. Se os nossos dirigentes tivessem, ao menos, capacidade para aprenderem o que se lhes ensina, “Em vez de ir a reboque da União Europeia, Portugal poderia ter tomado a iniciativa e a Declaração, em vez de ser de Bolonha, poderia ter sido de Coimbra, de Évora ou de qualquer outra das nossas cidades universitárias” como escrevi em 2001(3).
É curioso dizer que, antes de Bolonha, conversei pessoalmente, numa cerimónia na Universidade de Évora, com o ministro de então, a quem já tinha mandado os meus escritos. Apesar da minha insistência, mostrou-se renitente, que tal não se podia fazer e até me disse que isso era “uma guerra perdida”. Deve ter mudado de ideias, pois foi esse mesmo ministro que, em 1999, foi assinar, por Portugal, a Declaração de Bolonha. (É triste ver Portugal andar atrás dos outros quando tinha todos os elementos para ir na frente).
A Declaração de Bolonha define três ciclos de ensino superior, nos países anglo-saxónicos designados por Bachelor, Master e Doctor e que era o que também havia em Portugal (Bacharel, Licenciado e Doutor), antes da infeliz legislação de 1980, que “enxertou” no nosso sistema o grau de Mestre. Esses três ciclos, cada um com um certo número de “créditos”, têm, normalmente, a duração de 3+2+2 anos. (Eu tinha proposto e preferia 3+3+2 anos. Mas como a diferença é pequena, aceito).
Os países dão a cada um desses ciclos o nome que entenderem. Eu tinha proposto e preferia suprimir o título de Mestre e voltar a ter Bacharel, Licenciado e Doutor. As pessoas que mandam no sistema decidiram que os nomes seriam, respectivamente, Licenciado, Mestre e Doutor. O que não pode ser esquecido é que o Licenciado pós Bolonha é, internacionalmente, um Bacharel (Bachelor).
Como se vê, Bolonha não encurtou os nossos cursos. Um empregador só tem de definir o nível de estudos que necessita que tenha o empregado que vai exercer determinadas funções, ou seja, um Licenciado (internacionalmente um Bacharel), um Mestre ou um Doutor.
O facto de, oito anos depois de Portugal ter assinado a Declaração de Bolonha, os nossos cursos não estarem todos com a mesma terminologia (e até terem aparecido aberrantes propostas para diferentes cursos), apenas demonstra a incapacidade dos responsáveis. E se os portugueses consentirem que um governo de direita, como o actual (é anedótico e só mostra ignorância continuar a considerá-lo “socialista” e “de esquerda”) pretender usar Bolonha como simples “pretexto” para só financiar os cursos do primeiro ciclo (3 anos), ou seja, o curso de Licenciado (internacionalmente um Bacharel) e fazer pagar (e caríssimo!) os que querem estudar para os níveis de Mestre (mais dois anos, ou seja 5 anos) ou de Doutor (mais dois anos, ou seja 7 anos), não podem queixar-se senão da sua apatia. Aliás, como já chamei a atenção (4) todos esses aumentos de propinas são descaradamente inconstitucionais, pois violam o Artigo 74º da Constituição.
Eu peço desculpa aos leitores de ter de usar muito o meu caso pessoal. Mas os factos e os escritos a tal me obrigam.
(1) Mota, M. - Achegas para o novo Estatuto da Carreira Docente Universitária, Público de 2 de Julho de 1994
(2) Mota, M. - A propósito da Escola Superior Agrária de Elvas, O Ensino Superior Agrícola, Linhas de Elvas de 5 de Maio de 1995
(3) Mota, M. – Um novo esquema para o ensino superior, Correio da Manhã de 23-6-2001
(4) Mota, M. – Cumprir a Constituição, Linhas de Elvas de 12-7-2007
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