14 de março de 2008

O Ensino Agrícola, do Elementar ao Superior

Publicado no “Jornal de Sintra” em 15 de Dezembro de 2006

Uma das causas da degradação da agricultura portuguesa, com enormes reflexos negativos na nossa economia (no PIB, na inflação, no défice orçamental, no desemprego e na balança comercial) reside nos males e defeitos do nosso ensino agrícola. Permita-se-me que apresente o esquema que considero devia ser posto em prática para dar à agricultura portuguesa uma parte do que lhe falta, em matéria de ensino agrícola, do elementar ao superior.

Em tempos antigos ensinavam-se rudimentos de agricultura na escola primária. De tal ensino ficaram alguns manuais então usados nas escolas, o mais antigo de que tenho conhecimento data de 1875 e é uma tradução do francês feita por Alfredo Ferreira dos Anjos. Mas logo dois anos depois, em 1877, foi editado em Lisboa o “Manual de Agricultura Elementar e Pratica para uso das Escolas Primarias Ruraes e dos Agricultores Práticos”, por Paulo de Moraes.

Variados outros se seguiram, duma lista que bem mostra o interesse que nessa altura merecia a agricultura:

“Rudimentos de Agricultura em Harmonia com os Programas das Escolas Normaes e Primarias”, por A. Justino Ferreira, editado no Porto em 1892.

“Rudimentos de Agricultura Pratica, Conforme o programma geral do Ensino de Instrução Primaria decretado em 18 de Outubro de 1902”, por esse grande agrónomo que foi D. Luís de Castro (Professor Catedrático do Instituto de Agronomia), editado em Lisboa em 1903.

“Rudimentos de Agricultura Pratica, ilustrados com 153 gravuras e redigidos em conformidade com os novos programmas officiaes”, por E. N. Costa Ornellas, editado no Porto em 1906.

“Rudimentos de Agricultura (Leituras para as Escolas Primarias)”, por António Xavier Pereira Coutinho (também Professor Catedrático de Agronomia), editado em Lisboa, a 1ª edição s.d., talvez 1903 e a 3ª edição em 1913.

“Manual de Instrução Agrícola na Escola Primaria”, compilação e adaptação de Arthur Castilho, editado no Porto em 1916.

Esses rudimentos deviam fazer parte da cultura geral de todos os cidadãos, pelo que sugiro que sejam incluídos nos programas do 1º ciclo do ensino básico. Isso exige a edição de um simples mas bem elaborado manual. Em muitas escolas há canteiros que podem ser cultivados pelos alunos, em aulas práticas ou como divertimento e alguns alunos até gostarão de ocupar parte do seu tempo de recreio nesse trabalho, a sachar, regar ou qualquer outra das actividades necessárias. Esse contacto com as plantas (a criação de animais só em raros casos terá lugar) poderá também ser usado com vantagem para as aulas de biologia. Também é de considerar a hipótese de em cada ano se plantar uma árvore.

Como já propus, mas creio que só existe em poucos casos, a escola devia oferecer, a partir do 5º ano e em paralelo com o curriculum “académico” actual (que serve para acesso ao ensino superior mas não dá preparação para qualquer ofício, mesmo para aqueles que não querem estudar mais depois do 9º ou do 12º anos), cursos profissionais, válidos como escolaridade obrigatória. Alguns desses cursos ficariam completos com o 9º ano; outros, iriam até ao 12º ano. Em qualquer caso, se o aluno desejasse voltar ao curriculum académico, apenas que teria de fazer, num ano, as disciplinas que teve de trocar pelas da profissão.

Para a agricultura, os cursos profissionais só seriam possíveis nas escolas que dispusessem de área agrícola ou que tivessem possibilidade de estabelecer acordo com agricultores suficientemente próximos, o que não deve ser difícil em zonas rurais. Esses cursos dariam, ao nível do 9º ano o diploma de Prático Agrícola, usando o título consagrado antigamente e que se obtinha em algumas escolas, como a da Paiã, às portas de Lisboa, famosa pela excelência do seu ensino. Naturalmente, esse curso, como outros paralelos (carpinteiro, serralheiro, contabilista, informático, etc. etc. etc.) seria válido como escolaridade obrigatória e permitiria ingressar no mundo do trabalho sem ter, como agora, que ir aprender um ofício pois o 9º ano não lho forneceu.

Os alunos que neste sector quisessem ir até ao 12º ano sairiam com uma preparação mais profunda e o diploma poderia ser de Regente Agrícola, recuperando um nome antigo, que também teve prestígio e deu em tempos muito bons profissionais. Apenas poderiam oferecer esse curso as escolas que dispusessem de condições adequadas, como área agrícola, parque de máquinas, laboratórios apropriados, etc.

Se um Regente Agrícola quisesse depois ir para o ensino superior, faria também mais um ano escolar, para completar as matérias que tinha tido que sacrificar para obter as técnicas. Aliás, era o que sucedia antigamente; após terminarem o antigo curso de Regente Agrícola (equivalente ao 7º ano dos liceus), faziam um 8º ano para ingressarem no ensino superior.

O facto de o número de alunos ter descido drasticamente nos últimos tempos deixou vagas nas escolas que permitem, sem grandes custos, a implantação dos variados cursos profissionais.

Ao entrar no ensino superior, vindo do ramo académico ou do curso de Regente Agrícola com mais um 13º ano, o aluno teria, de acordo com o esquema da Declaração de Bolonha, duas possibilidades. Ou um curso de três anos, levando à obtenção da “licenciatura” (que, internacionalmente, é um “bacharelato”) e dará o título profissional de Engenheiro Técnico Agrário, ou um de cinco anos, para a obtenção do “mestrado”, o que dará o título profissional de Engenheiro Agrónomo.

Tal como nalguns outros ramos da engenharia (e, possivelmente, noutras profissões), os três anos do Engenheiro Técnico não são os primeiros três anos do Engenheiro, pois a amplitude das cadeiras básicas e técnicas tem de ser diferente. Embora algumas cadeiras semestrais possam ser comuns, o elenco total tem de ser específico para cada caso.

Após o curso de Engenheiro Agrónomo e para uma especialização mais profunda, faria mais dois a três anos para o título de Doutor Engenheiro Agrónomo.

Se um tal programa simples fosse implementado, a riqueza nacional seria bem diferente do que este andar pela cauda da Europa.

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*Miguel Mota, Investigador Coordenador e Professor Catedrático, jubilado

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