15 de março de 2008

Défice orçamental. E se fosse apenas Portugal?

Publicado no "Jornal de Oeiras" de 30 de Março de 2004:

Pelo Tratado de Maastricht alguns países europeus decidiram a criação duma moeda comum, algo que, além de algumas vantagens internas na UE, poderia fazer frente a esse colosso da "moeda internacional" que é o dólar americano, competindo com ele e, eventualmente, substituindo-o.

Para que essa nova moeda pudesse ter força era necessário que as finanças (e a economia) dos países que a iriam adoptar tivessem estabilidade, sem grandes "derrapagens" (para usar a terminologia actual) que lhe minassem o poder.

Para isso foram definidos alguns níveis de valores nas contas públicas dos países candidatos. Os países que ultrapassassem esses limites - que passaram a ser conhecidos por "critérios de Maastricht" - não poderiam entrar na moeda única.

*

Em 1996 a revista americana "TIME" publicou a lista dos valores que se previam que os diferentes países europeus apresentassem em 1997, que seriam a base para, em 1998, se tomar a decisão sobre quem podia ou não podia entrar na moeda única, a iniciar em 1999.

Dei-me ao trabalho de ordenar os países por ordem crescente desses valores e cheguei a uma conclusão interessante: aqueles valores, os chamados "critérios de Maasticht", "parecia" que tinham sido fixados tendo em vista os interesses dum único país, a Alemanha. Assim, o limite máximo para o défice orçamental tinha sido fixado em 3% do PIB e para a dívida pública em 60% do PIB. No ordenamento por valores crescentes verifiquei que os números previstos para a Alemanha eram, respectivamente, 2,9% e 59,7%.

Escrevi uma carta à "TIME", chamando a atenção para o facto e lembrando que se as decisões da UE fossem tomadas à medida das conveniências de alguns dos "grandes" se estava a minar o princípio da igualdade de soberania dos estados membros e a criar gravíssimos problemas no futuro.

Como a "TIME" não publicou a minha carta, escrevi um artigo em que tratei com mais pormenor o assunto. É surpreendente (pelo menos para mim) que ninguém tenha justificado esses valores de 3% e 60% e mostrado a forma como foram obtidos. E mais surpreendente ainda (pelo menos para mim) é que nenhum dos nossos ilustres economistas os tenha questionado. Esses valores foram aceites como se se tratasse de verdades físicas, como a força da gravidade ou o diâmetro da terra.

O meu artigo "Critérios. Que critérios?" foi recusado por vários jornais e revistas (incluindo as de economia!) e, para que ficasse em letra de forma, publiquei-o numa revista de agricultura (1).

A economia é a ciência mais falível que há. Basta ver como saem erradas as previsões dos mais sonantes organismos ou personalidades. Quando o défice das contas públicas disparou para valores muito acima dos "permitidos" 3%, logo na UE se falou da implacável aplicação das pesadas sanções previstas no tratado, talvez a razão principal da "fuga" do Eng.º Guterres e da queda do Partido Socialista.

Sabido como os efeitos, em economia, não são normalmente imediatos, mas continuam a repercutir-se, às vezes por vários anos, o novo governo viu-se aflito para combater os males herdados. E essa dificuldade foi agravada por alguns erros, a começar por mostrar não saber o que é "economia" (julga que são só o comércio e a indústria...) e continuar (como os governos das últimas décadas) a não fazer o que é preciso para desenvolver o grande potencial desse importante sector da economia que é a agricultura. E, naturalmente, ao manter o absurdo e injustíssimo sistema fiscal, onde quase só pagam os que menos recebem, onde "prescrevem" dívidas avultadas, etc. etc. como já denunciei (2).

*

Acontece, porém, que veio a público que as presumivelmente sólidas finanças da Alemanha e da França tinham derrapado de forma espectacular e os seus défices orçamentais (um mal em qualquer país) tinham ultrapassado em muito os tais famigerados 3%. Em vez de se aplicar imediatamente o que se estava a preparar para Portugal, aparecem várias "razões" para não aplicar essas regras à França e à Alemanha. Isto é, o pacto de estabilidade passava a ser letra morta. Tal como no tempo de Hitler, que dizia que "tratados são papeis"!

A pergunta que imediatamente surge é saber se o mal fosse apenas de Portugal, o que é que aconteceria. Provavelmente, seriam exactamente a França e a Alemanha a exigir a aplicação das sanções previstas.

Assim, a Europa está a preparar a instalação dum colonialismo, em que alguns países grandes querem "colonizar" os mais pequenos. Os males que denunciei na definição dos critérios de Maastricht (1) estão a aparecer de forma grave. Ou os países pequenos não consentem que o "peso" de cada um seja menos de 1/15 (em breve 1/25) ou o futuro da União Europeia, como um bom conjunto de países, próspero e em paz, está definitivamente condenado. Era bom que todos os cidadãos tivessem consciência desse facto.

Referências

(1) - Mota, Miguel - Critérios. Que critérios? Vida Rural de Outubro de 1997

(2) - Mota, Miguel - Considerações sobre o défice orçamental e a forma de o anular. Jornal dos Reformados e da Terceira Idade de Out/Nov de 2002

Sem comentários: