15 de março de 2008

Estrutura e Funcionamento – 2

Publicado no “Jornal de Cascais” em 20-2-2007

Não há senhor importante que não passe parte do seu tempo a clamar que é preciso uma “reestruturação” dos serviços públicos, para acabar com os defeitos e especialmente a burocracia, que tão grandes prejuízos causam à nossa produtividade. Invariavelmente, todos clamam que Portugal tem funcionários a mais, o que é mentira. Na seriação dos países europeus pela percentagem de funcionários públicos na população activa, o nosso país é dos que têm um valor mais baixo.

Mas nenhum desses senhores diz quais são os defeitos da estrutura actual, para serem corrigidos. Nem diz quais são os funcionários que estão “a mais”, porque o que estão a fazer não interessa. Atiram números, perfeitamente gratuitos.

É natural que seja desejável uma boa estrutura dos serviços. Mas já tenho chamado a atenção para o facto de, na grande maioria dos casos, os defeitos graves não serem da estrutura, mas sim do modo de funcionamento (1). É um deficientíssimo funcionamento que é, na grande maioria dos casos, a causa da nossa baixa produtividade. E eu já há muito considerei a “Produtividade, a grande reserva estratégica nacional”(2)

Na revista “Tabu”, suplemento do “Sol” de 25-11-2006, José António Saraiva relata, com excelentes pormenores, as agruras por que passou no aeroporto da Portela, quando ali se deslocou para levantar (em nome de outra pessoa que lhe tinha solicitado) uma encomenda vinda do oriente. Levando o documento necessário ao levantamento, aquilo que pensou ser algo relativamente rápido revelou-se extremamente complicado e exigiu-lhe ir três vezes ao aeroporto (a última ocupando-lhe quase o dia inteiro) e recebeu a encomenda depois de ter passado por doze funcionários, aliás cada um deles cumprindo escrupulosa e eficientemente a função de que estava incumbido.

Na conclusão do artigo e como receita para o problema, refere a solução para Portugal que lhe fora em tempos indicada pelo embaixador José Cutileiro: “despedia-se metade dos funcionários e duplicava-se o ordenado dos outros”, frase, aliás, destacada pela revista no meio da página.

*

Nenhum daqueles funcionários – cumpridores e eficientes – “determinou” o trabalho que está a fazer. Ele está apenas a cumprir ordens superiores, originadas nalgum ponto da hierarquia. Não há maneira dos portugueses compreenderem que a imensa burocracia que nos estraga a vida não é algo que cai do céu ou que seja da responsabilidade do funcionário que está ao balcão, muitas vezes cumpridor e eficiente, como no caso acima relatado. Os responsáveis por essa burocracia são os chefes incompetentes, pois são eles quem determina a exigência dos passos – tantas vezes absurdamente inúteis, como no caso acima relatado – a que se deve submeter qualquer acto. E o mais responsável de todos é o chefe que estiver no topo da hierarquia (em qualquer ministério, o ministro) porque qualquer chefe seu subordinado só pode “criar” burocracia se ele consentir. Como já escrevi algures(3):

“A primeira obrigação dum ministro é garantir o bom e efectivo funcionamento do seu ministério, sem o qual está minada pela base toda e qualquer politica que lhe esteja cometida. Mesmo quando há burocratas de baixo nível a funcionar mal e a demorar exageradamente a solução dos problemas, a responsabilidade é do chefe e do chefe do chefe, até ao ministro”.

José António Saraiva dispõe dum jornal onde, presumivelmente, o jornalismo de investigação deve existir com grande importância. Prestaria ao país um bom serviço se, a começar pelo caso para que já tem tantos dados, iniciasse uma investigação para detectar e denunciar quem é o incompetente ou desonesto chefe responsável pelos passos exagerados em cada caso. E, no caso desse responsável não ser o chefe máximo, indicar todos os elementos da cadeia hierárquica que lhe são superiores, também responsáveis pela manutenção do sistema.

Se se desejar aplicar a “receita” proposta e, em vez de atacar esses pontos responsáveis, se “despedirem seis dos doze funcionários e duplicarem o vencimento dos restantes seis”, apenas darão motivo para o chefe incompetente “demonstrar” a “urgente conveniência de serviço” para contratar outros seis, nem que seja a recibos verdes... E Portugal continuará cada vez mais na cauda!

(1) Mota, M. – Estrutura e funcionamento. Jornal de Oeiras de 25-1-2005

(2) Mota, M. – Produtividade, a grande reserva estratégica nacional. Expresso de 4-8-1979

(1) Mota, M. – A burocracia e os ministros. Expresso de 17-9-2005

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