14 de março de 2008

O Agricultor Português e a CE

Publicado na “Gazeta das Aldeias” de Janeiro/Fevereiro de 1994:

Portugal assiste, com grande indiferença, ao desmantelar do potencial produtivo da sua agricultura. Se esse potencial já era fraco anteriormente, se já só era capaz de alimentar metade da população do País - obrigando a importar outro tanto de alimentos - está agora mais diminuído.

Em tais condições, é difícil prever o que sucederá no futuro. Mas esse futuro dependerá muito do que Portugal fizer nos próximos anos. Era fácil prever, há anos, a situação que estamos a viver hoje e só não consigo compreender como os responsáveis - do ministério da Agricultura, das organizações da lavoura, dos variados partidos, etc. - se comportam como ignorando totalmente princípios e regras que julgo elementares.

Na "Gazeta das Aldeias" nº 2866, de Setembro de 1981 (há mais de 12 anos!) publiquei um artigo intitulado "O agricultor português" em que procurei responder a um agricultor que, em carta à revista, indicava algumas dúvidas levantadas por um outro escrito meu e pedia que o esclarecesse.

No final dos considerandos que me pareceram necessários para dar o esclarecimento pedido, terminei o artigo com os três parágrafos seguintes:

Uma coisa, porém, é certa: Portugal só poderá ter uma agricultura de alto nível, funcionando como actividade económica produtiva e dando ao País muita riqueza se tiver agricultores muito sabedores, muito conscientes da sua tarefa e com grande capacidade de gestão. E para que essa transformação se dê é necessário que haja uns serviços oficiais altamente eficientes, principalmente uma "investigação" que descubra as formas de agricultar melhor e uma "extensão" que leve até ao agricultor os conhecimentos de que ele necessita.

E isto deveria existir com CEE (Mercado Comum) ou sem CEE. Alguns querem atribuir à nossa entrada para a CEE efeitos milagrosos, como se a Europa se preocupasse em vir a Portugal ensinar os nossos agricultores a trabalharem melhor. O que sucederá se não fizermos a correcção que se impõe é que a queda das barreiras alfandegárias não nos dará qualquer vantagem por não termos bons produtos para vender nos outros países e terá o inconveniente de virem outros vender cá produtos que aqui podíamos produzir melhor e mais barato.

Além da responsabilidade que lhe cabe no bem estar geral do País e do sector da agricultura portuguesa, o ministério da agricultura tem agora a responsabilidade adicional daquela alternativa e do nível de competitividade face aos outros países da CEE, nomeadamente a Espanha.

Mais de doze anos depois de escritas estas palavras, o que vemos? Não temos

bons produtos para vender nos outros países e vêm outros vender cá produtos que aqui podíamos produzir melhor e mais barato.

Durante estes doze anos, em vez de corrigir os erros de algumas décadas, o ministério da Agricultura agravou os males do passado. A investigação tem estado a ser desmantelada por erros muito maiores ainda do que os do período anterior. Sobre a extensão, o ministério, inexplicavelmente, faz gala da sua pretensa incapacidade para a ter a funcionar.

É espantoso como se consente que um ministério dum dos mais cruciais sectores da economia nacional não só não desenvolva esse sector como o degrade ainda mais e destrua o potencial de que dispõe, com reflexos tremendos no PIB, nas exportações e importações e, até, na inflação.

Quando se tornava necessário um vastíssimo e intenso programa de investigação e outro de extensão - para o que o ministério dispõe de infra-estruturas satisfatórias e "know how" largamente desaproveitado - o que se fez foi agravar os males de quase meio século.

Aparecem os mais caricatos argumentos e as mais infantis desculpas para "explicar" a situação trágica da nossa agricultura e, como consequência, da nossa economia.

Como já tive ocasião de referir noutro local ("Expresso" de 17 de Julho de 1993), o Engº Alvaro Barreto, responsável pelo ministério da Agricultura durante uma parte deste período de doze anos, apresentou há pouco tempo, num programa na televisão, a "prova" de que as nossas "condições naturais" não nos permitem competir: a Holanda produz 8 toneladas de trigo por hectare e Portugal só produz duas toneladas. É claro que se esqueceu de dizer que em 1970, a Holanda, com as mesmas condições naturais que tem hoje, produzia 4,5 toneladas de trigo por hectare! Isto é, em cerca de vinte anos, a Holanda quase duplicou a sua produção de trigo por hectare, sempre com as mesmas condições naturais.

E, note-se, as 4,5 toneladas de 1970 eram já um número muito bom. Cerca de 1940 esse valor era de 3 toneladas, também com as mesmas "condições naturais". O que a Holanda teve foi ministros da Agricultura que sempre consideraram que as duas tarefas que eu há décadas venho clamando serem as actividades fundamentais para o desenvolvimento da agricultura - a "investigação" e a "extensão" - devem ser desempenhadas em larga escala.

Os países que sabem que a agricultura só pode desenvolver-se e tornar-se competitiva se for servida por uma boa investigação agronómica investem fortemente nesse sector. O caso mais evidente é o dos Estados Unidos que, alem de protecções várias, dão à sua agricultura aquilo que eu já chamei "os maiores subsídios que podem ser concedidos", ou seja, uma excelente investigação agronómica e uma eficiente extensão agrícola.

Na Europa encontramos diferenças enormes entre países, situando-se a Holanda e a Dinamarca entre os mais desenvolvidos e os países do Sul, nomeadamente Portugal, entre os mais deficientes e, consequentemente, os de menor competitividade.

A Comunidade Económica Europeia (CEE) mostrou uma elevada visão ao iniciar, nos começos da década de 1960, uma Política Agrícola Comum (PAC). O êxito, sob os pontos de vista económico e estratégico, foi notável, pois passou-se duma situação deficitária em 50% dos produtos agrícolas que consumia para uma situação de excedentes. Mas, por falta de capacidade dos dirigentes - e isso passou-se antes da entrada de Portugal, embora continue no presente - falhou estrondosamente em dois pontos. O primeiro foi não começar a reduzir gradualmente os preços logo que os excedentes se começaram a acumular. O segundo foi não desenvolver, paralelamente, um bom trabalho de investigação que a tornaria muito mais competitiva, baixando custos, reduzindo a poluição e a destruição do ambiente, encontrando culturas alternativas ou novas utilizações para os excedentes, etc. etc. etc. As verbas que dedicou - e dedica - a esse trabalho são ínfimas quando as comparamos com os gastos totais com a PAC que, para 1993, devem ser da ordem dos 7.000 milhões de contos. Mas, desses 7.000 milhões de contos só menos de um terço vai para os agricultores, já que mais de dois terços são consumidos em armazenamento, transporte, serviços diversos, etc.!

Tenho defendido que 2% dos totais gastos com a PAC deveriam ser devotados a investigação agronómica, o que daria, para o ano corrente e para os doze países, um total da ordem dos 140 milhões de contos. Esse investimento daria lucros, em reduções de custos e benefícios vários que certamente suplantariam em muito o capital investido.

Só um programa vasto e intenso de investigação e de extensão, a funcionar muito eficientemente, poderá transformar a agricultura portuguesa e levá-la à posição proeminente que pode ter no seio da agricultura da Comunidade. Se o não fizer - e dispõe, certamente, dos meios para o levar a cabo - a situação daqui a outros doze anos será ainda mais trágica e não só a agricultura mas todo o País, sofrerá duramente na sua economia.

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*Miguel Mota, Investigador Coordenador e Professor Catedrático, jubilado

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