14 de março de 2008

A seca, o Algarve e a floresta

Publicado no “Linhas de Elvas” de 11 de Agosto de 2005:

Já por mais de uma vez chamei a atenção para a enorme importância de se arborizar a chamada “serra do Algarve”, a longa faixa montanhosa que separa o Alentejo daquela província. Outros, antes de mim, também o fizeram, avultando entre eles o nome do meu saudoso colega Manuel Gomes Guerreiro. Mas os anos e as décadas, foram passando sem que o Ministério da Agricultura se lembrasse de atacar esse importante e urgente problema.

Os benefícios resultantes de revestir de vegetação, arbórea e arbustiva, essa faixa de cerca de 100 x 20 km são múltiplos, pelo que se justifica um grande investimento público, neste caso, sim, em parceria com os privados.

Para além dos produtos dessa área florestada, um bom aumento da contribuição directa da agricultura para o PIB, há uma série de benefícios indirectos que lhe ampliam grandemente o valor.

Os terrenos nus ou fracamente revestidos que são o que mais abunda na zona que estamos a considerar são incapazes de reter eficientemente a água das chuvas, que corre para o mar, arrastando mais algum do magro solo, já descarnado por muitas décadas de erosão, essa grande inimiga da agricultura. Por esse facto, além da produção directa da floresta, um outro benefício, que não aparece nas estatísticas mas que é bem real, é a defesa contra a erosão. Essa maior retenção de água no solo vai enriquecer os aquíferos, beneficiando enormemente a faixa mais plana junto ao mar. A agricultura dessa faixa passaria a dispor de mais água para rega e poderia ampliar muito a actual produção de frutas, hortaliças e flores.

A gravíssima seca deste ano de 2005 veio chamar a atenção para um outro benefício da arborização da serra: o abastecimento de água às populações. Os problemas que já estão a ser sentidos este ano, se são graves em qualquer região, tomam maiores proporções numa zona que depende em grande parte do turismo. Essa actividade é sempre afectada quando falta ou é reduzida alguma componente do conforto que os turistas exigem.

Temos uma amostra do que poderia ser o Algarve com a serra bem arborizada. A zona de Monchique, a única bem arborizada em toda essa longa faixa, contrasta significativamente com a restante área. Basta olhar para esse pequeno oásis e tudo o que lhe fica adjacente para se ver o que poderemos generalizar e como se dissipam todas as dúvidas que alguns pudessem levantar contra um programa tão vasto. Mas não é só o Algarve a beneficiar da arborização da serra. O Alentejo, na zona que lhe fica adjacente, também beneficia desse revestimento. A água que a encosta Norte da serra conseguir reter vem certamente ajudar uma zona a sofrer desertificação.

Embora a necessidade de actuar urgentemente – cada dia que passa é um aumento nos prejuízos e uma demora na recolha dos benefícios – determine uma acção imediata, com os conhecimentos disponíveis, é muito importante que, como preconizei, se instale um programa de investigação, com uma rede de campos experimentais ao longo de toda essa área, para que a condução da floresta, a sua melhoria e, quando for caso disso, a sua progressiva substituição por melhores povoamentos, se façam da forma mais eficiente. Se, para já, a melhor informação que temos para orientar a arborização é o conjunto de pequenos núcleos arbóreos existentes, é da investigação a estabelecer que poderemos obter valiosa informação para actuação futura.

Para encerrar estas sugestões, não quero deixar de lembrar que, em conjunto com a florestação, se devem considerar as espécies de plantas aromáticas e medicinais, algumas delas arbustivas, os pequenos frutos, como a recuperação dos medronheiros e a apicultura, muitos destes casos ajudando a recolher produto enquanto a floresta não está em condições de dar corte.

____________________________________

*Miguel Mota, Investigador Coordenador e Professor Catedrático, jubilado. Presidente da Sociedade Portuguesa de Genética

Sem comentários: