15 de março de 2008

Referendo?

Publicado no “Jornal de Oeiras” em 28-6-2005

Ainda não tive oportunidade de ler o texto completo – absurdamente extenso – do tratado proposto para a União Europeia, a que alguns chamam “constituição” e que, de facto, tem características desses diplomas. Contudo, chega-me informação de alguns casos que, a serem assim, constituem suficiente motivo para que os cidadãos lhe digam um NÃO rotundo.

Por exemplo, o Artigo IV-443-3, salvo erro, exige a concordância da totalidade dos países membros para que, se o tratado estiver em vigor, se lhe fazer qualquer alteração. Esta regra parece ter toda a lógica. Mas se se exige unanimidade para aprovar qualquer alteração, não pode deixar de se exigir unanimidade para que o tratado seja aprovado. (Aliás, isso é óbvio, em face das bases em que a UE foi estabelecida). Como é que, logo que se verificou o “não” da França, não ficou imediatamente o assunto arrumado? Será que alguns pensam impô-lo mesmo que haja países membros que o não aprovam, embora achando bem que as alterações exijam unanimidade? Será essa a razão para que não haja uma divulgação muito ampla do texto completo? Há quem tenha interesse em que os cidadãos digam “sim” ou “não” sem saber a quê e apenas fiados no que lhes dizem alguns? São perguntas que não vejo os apáticos portugueses formularem e exigirem resposta antes de serem chamados a decidir. Mas depois, como tem sucedido, queixam-se amargamente de terem votado em algo que se virou contra eles! Considero essa falta de exigências em relação a actos políticos que grandemente os afectam – para bem ou para mal – um tristíssimo índice da capacidade dos portugueses. Se essa falta de exigência apenas existisse da parte de pessoas de escassa escolaridade, compreendia-se. Mas a partir dos que fizeram, pelo menos, o 12º ano, qual é a desculpa para essa falta de exigência?

Também alguns falam em grave crise e agitam o terrível papão do NÃO, chegando a tentar convencer as massas de que, nesse caso, a União Europeia acabaria. É uma espantosa desonestidade pois não só não existe crise como não há qualquer razão para fazer com que a UE desapareça. O que era no início uma associação de seis países, criada pelo Tratado de Roma para, em conjunto, obterem melhores resultados, foi sendo alargada a outros países e as ligações entre eles ampliadas por sucessivos tratados, nomeadamente de Maastricht e de Nice. Nessa ampliação se incluiu o espaço Shengen e a moeda única, o euro, a que nem todos os membros aderiram, continuando alguns a manterem as suas fronteiras com entraves e a sua antiga moeda. Algumas pessoas querem ir mais longe e transformar essa associação de países ainda com alguma soberania numa única nação federal (composta por diversos estados), à semelhança dos Estados Unidos da América do Norte ou do Brasil. Mas esquecem-se que na velha Europa se efectuou uma grande diferenciação entre países, o que torna a criação duma única nação algo muito perigoso, pois corre-se o risco – já evidenciado nalguns casos – de alguns desses países, particularmente dos de maiores dimensões, quererem exercer uma hegemonia que será um verdadeiro colonialismo.

Logo que a França disse NÃO o tratado morreu, pois é inconcebível que ele possa vigorar sem completa unanimidade. E para o provar lá está a clausula de não poder ser alterado sem unanimidade. Mas a União Europeia nada sofre com isso nem se pode falar em crise. Ela continuará como até aqui e funcionará na base dos seus anteriores tratados.

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* Investigador Coordenador e Professor Catedrático, jubilado. Presidente da Sociedade Portuguesa de Genética

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