17 de março de 2008

A “SUSPENSÃO DO MANDATO”

Publicado no "Correio da Manhã" de 23 de Dezembro de 2000:

Entre os monumentais erros desta nossa pseudo democracia – que não satisfaz os requisitos necessários para que um sistema político se possa legitimamente considerar como tal – encontra-se a “suspensão do mandato”.

O caso do deputado autarca Daniel Campelo fez precipitar um novo “estatuto do deputado” que pretende limitar um pouco aquela “dança de cadeiras”, em que os deputados saltitam de e para a Assembleia da República com tal frequência que nunca sabemos quem, na verdade, nos está a “representar” no órgão legislativo. Foi bom que esse problema viesse à baila e o assunto tivesse sido discutido, para ver se chegamos a um sistema sério, donde desapareça essa figura da “suspensão do mandato”.

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Há alguns programas de rádio e de televisão em que os cidadãos podem intervir directamente, pelo telefone, expondo a sua opinião. São de grande utilidade para darem voz à chamada “opinião pública”, por vezes muito ignorada. Em dois desses programas e apenas com um dia de intervalo, tive ocasião, recentemente, de expor o que penso da “suspensão do mandato” e mais alguns aspectos que julgo relevantes, para levarmos o nosso País a ser uma democracia. Se algo me espanta é a apatia dos portugueses que, depois de se queixarem – com razão – de quem lhes limitava a sua liberdade de escolha de quem, em seu nome, vai legislar e governar – algo necessário em qualquer sistema democrático – aceitam, sem exigir correcção, as enormes limitações que lhes põem a essa mesma liberdade.

O que penso do assunto expressei-o – mais uma vez! – nas duas intervenções que adiante se transcrevem.

- Intervenção no “Fórum TSF Rádio” em 30 de Novembro de 2000:

Eu vou muito mais longe, porque considero que nenhum deputado devia poder “suspender o mandato”. Talvez, eventualmente, para cargos de membros do governo e, mesmo nesse caso, tenho dúvidas.

Se um deputado, ou não toma posse ou abandona a Assembleia, porque decide escolher outro cargo, seja por eleição, seja por qualquer outro motivo, como agora acabou de ser dito, entendo que deveria ser feita nova eleição no seu círculo.

E, evidentemente, só teremos democracia com círculos uninominais. Porque o que temos é o que eu costumo designar por PARTIDISMO, porque o poder não reside nos cidadãos, mas nos partidos. O cidadão está limitadíssimo na escolha de quem o representa. É o chefe do partido que diz em quem é que ele tem licença de votar, que é qualquer coisa absurda.

Aliás, o Dr. Carlos Magno, há poucos minutos, acabou de referir esse sistema; não o disse taxativamente, mas é isso mesmo.

Portanto, quando alguém abandona a Assembleia, faz-se nova eleição no seu círculo. Se o candidato preferiu outro cargo, os cidadãos escolhem outro deputado. Nessas condições, saberíamos quem é que está na Assembleia a representar-nos, quem é que, realmente, responde perante os cidadãos.

Há pessoas que estão aí a atacar os círculos uninominais porque dá muito jeito, especialmente nos círculos grandes, ter a certeza absoluta – que é uma coisa que, em democracia, não pode existir – de que uns quantos senhores do topo da lista vão ser eleitos. Repare, isto era uma mudança importantíssima a fazer na nossa Constituição.

- Intervenção no programa “Parlamento”, na RTP 2, em 2 de Dezembro de 2000 (sobre o estatuto dos deputados autarcas):

“Eu devo dizer que as pessoas não se podem esquecer que, numa democracia, o cargo de deputado é extremamente importante e de grande responsabilidade, porque os deputados vão legislar em nome dos cidadãos que os elegeram e que delegaram neles o seu poder. Em DEMOCRACIA, repare-se.

Nessas condições, eu não concebo, sequer, a figura da “suspensão do mandato”. O senhor que pretende suspender o mandato”, não suspende, “abandona”.

Se, por qualquer razão, não toma posse ou abandona a Assembleia, isso implica – talvez com a excepção de ir para cargo no governo, uma situação especial, mas mais nada – uma nova eleição.

Porque também não concebo, não pode haver democracia sem círculos uninominais e a total liberdade de a pessoa se candidatar e de escolher.

O que temos em Portugal, como sabemos, é PARTIDISMO, que é um sistema em que os donos do poder não são os cidadãos, são os partidos. O chefe do partido é que decide em quem os cidadãos têm licença de votar, algo como sucedia no fascismo. No partidismo é muito semelhante.

Por essa razão teremos de ter círculos uninominais, total liberdade de candidatura e de escolha dos cidadãos para deputado e não suspensão de mandato.”

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* Investigador Coordenador e Professor Catedrático, jubilado

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