Publicado no “Linhas de Elvas” de 1-9-2005
e no “Jornal de Oeiras” de 18-10-2005:
Num programa de televisão ouvi um senhor, julgo que convidado da estação, declarar que o Ministério da Agricultura tem funcionários a mais, nomeadamente nos de baixas qualificações.
Se o Ministério da Agricultura tem um excesso de funcionários pouco qualificados, o que tem a fazer – e isto aplica-se também a qualquer outro sector da administração – é qualificá-los, treinando-os nas muitas tarefas que devia fazer e não faz ou faz muito mal, com as consequências que estão à vista em qualquer supermercado, perante as quantidades astronómicas de produtos importados que aqui devíamos produzir melhor e mais barato. Foi isso mesmo que fiz toda a vida, exactamente no Ministério da Agricultura, sempre que tal se tornou necessário.
Começo por pedir desculpa aos leitores por usar como exemplo o meu caso pessoal para o que vou dizer. Mas esse é o caso que conheço melhor e onde posso apresentar casos concretos. Outros haverá, certamente, embora muito menos do que deveria haver, como o provam as palavras da pessoa atrás citada.
Quando iniciei funções oficiais, como Chefe do Laboratório de Citogenética da Estação de Melhoramento de Plantas, em Elvas, comecei por ser chefe de mim mesmo, pois não tinha mais nenhum pessoal no Laboratório. Algum tempo depois tive a trabalhar comigo dois auxiliares, que não sei se tinham, sequer, o 5º ano do liceu mas que certamente não sabiam nada de Genética, nem o que era um cromossoma. Algum tempo depois eram excelentes preparadores e, entre as tarefas que executavam, faziam excelentes preparações para microscopia óptica para observação dos cromossomas e conheciam bem todos os estados da mitose e da meiose.
Uns seis anos mais tarde, voltei para o Departamento de Genética da Estação Agronómica Nacional, então em Sacavém, onde tinha trabalhado durante três anos – sem ordenado – para a elaboração da minha tese, então necessária para se ser Engenheiro Agrónomo e ali permaneci até à aposentação. Mesmo antes de assumir a chefia desse Departamento, cargo que exerci durante muitos anos, várias vezes tive de treinar pessoal nas técnicas necessárias ao trabalho, tanto no laboratório como nos campos de ensaio. Alguns desses auxiliares, incluindo até um que nem sabia ler nem escrever, se transformaram em excelentes condutores de máquinas agrícolas, desde simples moto-cultivadores até mais sofisticados semeadores e debulhadoras para ensaios. Quando assumi, em acumulação – mas sem aumento de vencimento – as funções de Director do Laboratório de Microscopia Electrónica da mesma Estação, o auxiliar que foi contratado tinha acabado o serviço militar e não tinha a mínima noção do que eram aqueles aparelhos. Algum tempo depois já era, como continua hoje a ser, um categorizado técnico de microscopia electrónica.
É isto que devia ser a normalidade, no Ministério da Agricultura e em todos os outros. Pelos vistos, há quem não o saiba e prefira passar o tempo a falar de “funcionários a mais” – embora nunca dizendo quais são os que estão “a mais” e o que estão a fazer – num Pais em que há tanta coisa que o Estado devia fazer e não faz.
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* Investigador Coordenador e Professor Catedrático, jubilado. Presidente da Sociedade Portuguesa de Genética
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