15 de março de 2008

Um bizarro conceito de “esquerda” e “direita”

Publicado no Linhas de Elvas de 17-1-2008

Já tratei deste assunto anteriormente mas como vejo que continua a haver grande confusão e aplicação descaradamente errada de conceitos, parece-me necessário voltar a ele, até para chamar a atenção dos portugueses para as grandes mentiras a que estão sujeitos.

Como é sabido, as designações de "direita" e "esquerda", em politica, nasceram em 1789, na Assembleia Nacional francesa (designação que substituiu a de Estados Gerais) em que à direita do presidente se sentavam os nobres e defensores dos privilégios (entre os quais o rei ter direito de veto sobre as leis feita pela Assembleia Nacional) e à esquerda do presidente o povo (o 3º estado), a lutar contra os privilégios da nobreza. Convém lembrar que o lema da Revolução Francesa era "Liberdade, Igualdade, Fraternidade".

Os princípios gerais dessa diferença entre direita e esquerda mantêm-se. Pode até dizer-se que, com a maior complexidade da vida actual, esses conceitos foram alargados. Duma maneira geral, pode dizer-se que são acções de direita todas as que beneficiem os ricos ou prejudiquem os de menos posses e são acções de esquerda as que beneficiam os de menos posses e sobrecarreguem os ricos e de mais posses.

Em termos modernos, podemos dizer que são acções de esquerda as nacionalizações, a criação de serviços públicos, a redução do leque salarial (na extrema esquerda os salários seriam todos iguais), saúde, educação e protecção na velhice como encargos do estado, predomínio do trabalho sobre o capital (na extrema esquerda não pode haver capital privado), impostos altamente progressivos, em que quem tem mais paga proporcionalmente mais e quem tem muito mais paga proporcionalmente muito mais, etc. etc. etc. Por oposição, são de direita as privatizações (se as privatizações são de temas de particular interesse para o estado como certos sectores da energia, dos transportes, do controle do espaço aéreo, etc. podem considerar-se de extrema direita), a extinção de serviços públicos, um grande leque salarial (desde salários de miséria a salários muito altos), saúde, educação e protecção na velhice como negócios privados, predomínio do capital sobre o trabalho, impostos pouco progressivos ou, até, todos a pagarem a mesma percentagem, etc. etc. etc.

Todos os sistemas políticos actuais têm alguns componentes de direita e alguns componentes de esquerda. Um qualquer sistema político situar-se-á, nessa linha, para a direita do centro se predominarem as acções de direita e para a esquerda desse centro se predominarem as acções de esquerda.

Assim como ninguém é pintor ou escultor simplesmente porque se arroga esse título e, para o ser terá de ter de ter feito pinturas ou esculturas, ninguém nem nenhum partido ou governo é “de esquerda” ou “de direita” simplesmente porque se declara como tal. São as ideias que defende, se não está no poder, ou as acções que pratica, se está no poder, que definem a sua posição no espectro que vai da extrema esquerda à extrema direita.

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O Partido Socialista “era” um partido de esquerda logo após o 25 de Abril, quando defendia a apropriação colectiva dos meios de produção e distribuição, andava de braço dado com o Partido Comunista a fazer nacionalizações e ocupações e Mário Soares, na rua, de punho erguido, berrava “Partido Socialista, um partido marxista!” Mas algum tempo depois o discurso já não era o mesmo e não tardou a abandonar o socialismo, antes mesmo de Mário Soares declarar expressamente que tinha “metido o socialismo na gaveta”. A partir dessa data o partido deixou de ser “socialista” e “de esquerda”.

Durante os seis anos do governo PS de Guterres, quase todas as acções se situavam para a direita do centro. Fizeram-se privatizações, alargou-se em vários casos o leque salarial, etc. O único resquício de esquerda foi o Rendimento Mínimo Garantido (mínimo era; garantido não...) que deixou muitas dúvidas se essa era a melhor forma de atingir os objectivos desejados, em vista dos seus elevadíssimos custos, particularmente em burocracia. Mas quando o partido ainda dito “socialista” e que se considera “de esquerda” (e o consideram aqueles, incluindo ilustres politólogos, que mostram não saber o significado da palavra) voltou a governar o país, em 2005, entrou-se em grande nas acções de direita (ver lista acima). Alem de faltar a todas as veementes promessas da campanha, na base das quais foi eleito, entrou em grande nas acções de direita que os partidos considerados de direita não se atreveriam a fazer. Até porque, se fizessem o que tem sido feito neste quase três anos e tivessem causado, como sucedeu à grande maioria dos portugueses, o maior corte de sempre no seu nível de vida (a excepção é a minoria de privilegiada), o escarcéu que se levantava seria enorme e o mais suave nome que chamavam a esse governo seria de “fascista!!!” E este pobre país, que não é capaz de, simplesmente, raciocinar, cada vez se afunda mais e não sai da cauda da Europa.

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