Estive há dias a reler textos sobre o que se passou na União Soviética (URSS) no mais clamoroso e destruidor caso de má política a interferir de forma ruinosa na ciência e na agricultura. É um caso bem conhecido pois deu brado em todo o mundo e causou à agricultura da União Soviética o maior atraso de sempre. Talvez tenha sido bom para o ocidente porque, em 1945, o que limitou muito a URSS não foi a falta de soldados ou canhões, mas sim a de produtos agrícolas. Teve, até, de receber trigo dos Estados Unidos. Não sabemos o que Estaline teria feito se não tivesse essa limitação. Os povos são mais facilmente derrotados pela fome do que pelos canhões.
No primeiro quartel do século XX a URSS tinha um dos maiores cientistas do mundo, uma reconhecida autoridade no campo da Genética: o agrónomo Ivan Vladimirovich Vavilov. Professor de Genética nas Universidades de Moscovo e Leninegrado (agora novamente São Petersburgo), foi o grande pioneiro da Conservação dos Recursos Genéticos e no Instituto de Melhoramento de Plantas (VIR) que fundou e dirigiu (e que hoje tem o seu nome) estabeleceu o maior repositório de sementes de milhares de espécies vegetais que recolheu por todo o mundo, incluindo Portugal. No campo da Genética era reconhecido como uma das maiores autoridades.
Nos começos do segundo quartel do século XX, um homem de fracos conhecimentos científicos, Tofim Denisovich Lysenko, conseguiu convencer Estaline de que a Genética ocidental capitalista nada conseguia e eram os seus processos que, de acordo com os princípios do marxismo-leninismo e do materialismo dialéctico, levavam a adaptar as plantas às condições que interessassem ao sistema comunista.
Passo a passo, apoiado por Estaline e com as suas fabulosas promessas - embora nunca as cumprisse - foi conseguindo destruir o trabalho de Vavilov e dos cientistas por ele dirigidos e que já tinham dado - e iriam continuar a dar - muito à agricultura e à economia da URSS.
Quando Vavilov quis começar a produzir milhos híbridos, que nos Estados Unidos já ocupavam 15% da área de milho, com um acréscimo de produção da ordem dos 100 milhões de "bushels" (1 bushel de milho equivale a cerca de 25 kg), foi impedido de o fazer com o pretexto de que essa Genética capitalista e dos inimigos da URSS nada conseguia. Os ataques foram intensificados e todas as instituições de Vavilov, principalmente o Instituto de Melhoramento de Plantas e as suas muitas delegações por todo o país foram sendo extintas umas, passadas para os domínios de Lysenko outras, cerceados os financiamentos e outros meios de trabalho, presos, executados e desaparecidos muitos dos seus cientistas e culminando em 1940 com a prisão de Vavilov, que ali acabaria por morrer em 1943.
Só anos mais tarde, na década de 1960, a URSS se apercebeu do tremendo erro que cometera. Lysenko foi demitido e a Genética iniciou uma penosa recuperação, a partir dos poucos restos que ainda existiam. Assinalei essa mudança num artigo publicado no antigo "Jornal do Comércio" em 1965(1).
A leitura desses textos fez-me pensar no paralelismo com o que tem sido feito em Portugal à investigação agronómica - e particularmente à Genética - nas últimas décadas e com particular intensidade nos últimos quatro anos. Lembro novamente a vergonhosa legislação dos finais de 2007. E pensei no que, tal como na URSS, Portugal e os portugueses sofreram, na agricultura, na ciência e na economia, como resultado da destruição da sua investigação agronómica.
(1) Mota, M. - A Rússia renega a "Genética" de Lysenko e resolve entrar a sério nas ciências biológicas. Jornal do Comércio de 16 de Junho de 1965 e no livro Problemas da Investigação Científica. Problemas da Agricultura, Lisboa 1969, Pág. 165-167
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