8 de agosto de 2013

Alternativa para a agricultura

Publicado no Público de 13 de Novembro de 2012 O problema dos agricultores receberem pouco pelos seus produtos e os consumidores pagarem um preço alto por esses mesmos produtos é velho de muitos anos, se é que não foi de sempre. Em tempos mais antigos, os culpados por essa aberração eram os intermediários, as várias mãos por onde passavam os produtos agrícolas, cada uma acrescentando um pouco, até chegar ao alto preço pago pelo consumidor. Os agricultores, pelo menos na maioria dos casos, comportam-se como um fabricante que coloca sobre o balcão o produto do seu trabalho e pergunta "Quanto é que me dão?" Qualquer fabricante de automóveis, frigoríficos ou televisores que funcionasse dessa forma, iria certamente à falência. O problema reacendeu-se recentemente, agora não com os intermediários, mas com as grandes superfícies. E foi noticiado que a ministra Assunção Cristas quer proteger produtores e pressiona hipers. Eu gostava de oferecer à senhora ministra o que penso ser uma solução melhor e que deixa de ter os agricultores dependentes desses comerciantes, como estão actualmente e deixem de depender deles, pelo menos sempre que as diferenças entre o preço pago aos produtores e o que o que é pago pelos consumidores seja tão descomunal. A solução já foi há muito inventada e em Portugal existe, embora em muito pequena escala. Para os agricultores não estarem dependentes da vontade das grandes superfícies, só têm que se associar e serem eles a comandar os preços, eventualmente a terem as suas lojas próprias, pelo menos em todos os casos em que os comerciantes queiram comprar muito barato e vender muito caro. Nunca compreendi porque é que as grandes organizações da lavoura e algumas federações, que seja do meu conhecimento, não têm atacado o problema da comercialização, com lojas próprias sempre que os comerciantes queiram manter a grande diferença de preço entre o que pagam ao agricultor e o que cobram ao consumidor. A maior e melhor realização nesse sentido, tanto quanto sei, foi a criação do Cachão, o Complexo Agro-Industrial do Nordeste Transmontano, em Trás-os-Montes. Foi uma obra notável do Engenheiro Agrónomo Camilo Mendonça, já falecido. No início, no velho Café Bugio (já desaparecido), no centro de Oeiras, em frente da igreja matriz, o Camilo Mendonça falou-me dos preços miseráveis que os comerciantes pagavam aos agricultores de Trás-os-Montes pela azeitona, as carnes, as nozes, as cerejas e vários outros produtos, que eram vendidos aos consumidores por preços várias vezes mais altos. Era preciso fazer passar para os agricultores uma parte desses lucros anormais. Era isso que ele se propunha fazer e que pôs em prática. Visitei o Cachão por duas vezes, com o Camilo Mendonça como cicerone. Na primeira vez mostrou-me em construção o lagar de azeite e outras instalações, algumas das quais já estavam em funcionamento na ocasião da segunda visita. Creio que os produtos, como o azeite, eram comercializados com o nome de "Nordeste". É claro que sofreu guerras ferozes e até sabotagens, guerras surdas, na sombra, daqueles a quem era tirado o rico negócio de explorar os agricultores. E creio que não teve, da parte dos associados tanto apoio como seria desejável. É sabido que, como já tem sucedido com os casos de outras cooperativas, aparecem logo os comerciantes a oferecer uns tostões (agora seriam cêntimos...) mais do que a cooperativa pagava, para a conseguirem liquidar. Muitos agricultores, sem terem a consciência de estarem a destruir a sua defesa, aceitam essa oferta e... vai tudo por água abaixo. Algum tempo depois do falecimento do Eng.º Camilo Mendonça, li que o Cachão ia ser dividido em duas empresas, dado o eu "gigantismo". Esta afirmação é perfeitamente ridícula. Não há empresas "excessivamente grandes" e o Cachão, com toda a sua grandeza, era uma empresa pequena quando comparada com muitas que há pelo mundo e até com várias portuguesas. Para gestores pigmeus, sem conhecimentos nem capacidade, às vezes, para uma micro empresa (e são o que mais abunda em Portugal), tudo parece excessivo. Mas tais gestores não devem servir senão para... não serem gestores! A solução para a agricultura é exactamente fazer algo como foi o Cachão, mas tendo à frente gestores de grande capacidade e que não se assustem com o "gigantismo". Embora haja em Portugal algumas empresas agrícolas de boa dimensão e bem geridas que, além do mercado nacional, conseguem exportar com êxito os seus produtos, o seu número é muito escasso e mesmo algumas dessas poucas empresas talvez ganhassem se fizessem parte dum complexo maior e eficiente. Não conheço qualquer outra forma de conseguir que os agricultores deixem de estar à mercê dos grandes comerciantes que os exploram. Creio que no Funchal há um Mercado dos Lavradores e sei que por todo o país, não só nas pequenas aldeias mas também em cidades de boa dimensão, há mercados de produtos agrícolas, às vezes num determinado dia da semana, em venda directa do produtor ao consumidor. Mas creio que é necessário fazer muito mais. Conhecida a carência de bons conhecimentos para iniciar acções deste género e para mobilizar um grande número de agricultores para participar e apoiar o cooperativismo, é ao Ministério da Agricultura que cabe a tarefa de levar até eles os conhecimentos (no sentido mais lato) de que necessitam para produzir melhor e comercializar melhor os seus produtos. Esse trabalho cabe a um serviço que, actualmente, no mundo, se chama de Extensão Agrícola (ou de Extensão Rural), do nome com que foi criado nos Estados Unidos, em 1914. (Eu preferia o nome de Fomento Agrícola ou de Fomento Rural). O Ministério da Agricultura, exceptuando alguns raros casos pontuais, tem executado muito pouco dessas tarefas. Por isso, há anos que proponho, como a única forma que conheço para transformar uma agricultura, na generalidade atrasada, na actividade económica florescente e competitiva que pode e deve ser, que se inicie um Plano Intensivo de Investigação Agronómica e de Extensão Rural. A actual ministra mostrou, quase logo no início, uma bastante boa informação e determinação de alterar o que nos últimos anos vinha sendo feito, de destruição da agricultura, acções que atingiram a maior ferocidade durante o governo de Sócrates, que chegou ao cúmulo de devolver a Bruxelas centenas de milhões de euros a ela destinados e de que tanto carece. A nova ministra fez uma pequena melhoria em relação à investigação agronómica, a fonte da tão apregoada inovação. Mas, que seja do meu conhecimento, não iniciou o que eu proponho, no Plano Intensivo referido. E tenho pena que não tenha iniciado logo essa parte no verão de 2011, naturalmente com a prata da casa, pois não deve ter dinheiro para muito e com o que resta do vasto know how que o Ministério da Agricultura possuía e que foi grandemente destruído nos últimos vinte e tal anos. Como uma boa parte das nossas importações de produtos agrícolas é de culturas anuais, iniciando as tarefas da extensão por algumas delas, nomeadamente hortícolas e forragens, antes das sementeiras de Outono, seria possível obter alguns resultados económicos a curto prazo. E o governo necessita de os conseguir antes do fim da legislatura. Se as pessoas não sentirem alguma melhoria nas suas vidas e continuarem a sofrer continuamente mais perdas do seu já muito baixo poder de compra, com a promessa dum melhor futuro que nunca mais chega, o provável é que o governo seja mandado embora, mesmo que as perspectivas de melhoria sejam praticamente nulas.

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