8 de agosto de 2013
"O futuro de Portugal" e "O futuro do ultramar" - publicados em 1974
Estes dois artigos foram escritos logo após o 25 de Abril e publicados em 4 e 25 de Maio de 1974. Não serviu de nada o alerta.
O FUTURO DE PORTUGAL
A hora é certamente de regozijo para todos aqueles que amam a liberdade e sempre pensaram que Portugal devia contar-se entre os países civilizados do Mundo. Não podem regatear-se elogios e agradecimentos aqueles que, tudo arriscando, particularmente a vida e a liberdade, levaram a cabo, duma forma tão bela, aquilo que para muitos parecia impossível ou longínquo.
É altura, agora, de meditar nalguns aspectos muito graves, para evitar, pelo menos, cair em erros idênticos a outros cometidos no passado ou em erros novos que, por estarem à vista, se tornam inevitáveis.
A população, em massa, demonstrou um equilíbrio e uma grande moderação, que muitos não julgariam possíveis. Mas na euforia dos primeiros momentos e numa reacção compreensível, cometeram-se alguns desmandos, certamente reprováveis. Se muitos deles foram espontâneos e «inocentes», não seriam outros friamente preparados por quem tem interesse em que Portugal não seja um país calmo e civilizado?
A Junta de Salvação Nacional e as Forças Armadas tiveram um comportamento inexcedível. E nesse magnífico exemplo devemos encontrar a causa do bom comportamento da população. Mas a tarefa não está terminada e é dever de todos nós dar a ajuda necessária para a construção do futuro.
A massa do povo reagiu muito bem – porque, certamente, não estava satisfeita com o que tinha. Mas ela não é capaz de executar. Ela só se manifesta (quando pode) contra ou a favor do que está e (nos regimes democráticos) entregando um mandato a quem melhor a convenceu de que vai executar bem. Nos países com longa tradição democrática e na ausência de golpes de Estado de qualquer proveniência há sempre a possibilidade de, passado um determinado período de tempo, emendar a mão se acaso a massa se enganou. Mas se, entretanto, se criou um sistema que tal lho impede, isso pode representar muitas dezenas de anos de mais ou menos drástica falta de liberdade. A História mostra-nos que tais sistemas tanto podem vir duma extrema direita como duma extrema esquerda.
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Não creio que seja desejável termos um Nurenberg português, ou seja, uma feroz «caça» aos homens do antigo regime. Mas também não creio que seja de aceitar que qualquer dos que, pelos seus actos, até 25 de Abril, nos mostraram bem o que são, venha a infiltrar-se nos novos quadros. É preciso que o País, muito firmemente faça terminar a carreira daqueles que já mostraram que o seu objectivo não é servir, mas sim, servir-se, a si e aos amigos.
Não tenhamos quaisquer dúvidas: muitos deles hão-de vir agora, hipocritamente, se necessário chorando lágrimas de crocodilo, dizer como sempre estiveram em desacordo com o anterior regime – para colherem os benefícios que puderem e que a liberdade actual facilitará. Se não convém que haja rancores, se é mesmo conveniente esquecer muitos agravos, não deverão ser olvidados os actos cometidos ao longo destas décadas, para que os seus responsáveis não tenham oportunidade para os repetir. Há que julgar os homens pelos seus actos passados e não pelo que prometem para o futuro. É tão fácil prometer …
Por outro lado, vão também aparecer alguns políticos a apresentar os seus programas – aliciantes, sem dúvida – mais ou menos abertamente apoiados em Moscovo ou Pequim … É preciso que os futuros eleitores meditem neste facto muito simples: aquelas liberdades e aquilo que esses políticos prometem não existem – nem na Rússia, nem na China, os países em que eles se inspiram, em que se apoiam e de que por vezes recebem ordens.
Assistimos com júbilo à libertação dos presos políticos das prisões portuguesas. Os nossos camaradas russos ainda não tiveram essa alegria – e oxalá a tenham em breve.
À senha que encarniçou alguns portugueses contra os ex-agentes da polícia política será a mesma que mostrarão muitos honestos cidadãos russos quando lhes for dada idêntica oportunidade – e oxalá também a tenham em breve.
O direito à greve é reconhecido em todos os países democráticos: Mas não o era em Portugal, como não o é na Rússia ou na China …
O cidadão português tinha sérias limitações na sua liberdade e via ser-lhe coarctado pela censura o acesso a parte da informação. Mas na Rússia e na China essas liberdades nem existem…
Depois da experiência que tivemos, como é que o produto exportado por esses países nos pode servir?
Estou, com estas palavras, a agitar o papão comunista, como os do antigo regime faziam? Claro que não! Estou apenas a chamar a atenção para aqueles factos irrefutáveis.
Estou a defender o regime de Salazar e Marcelo Caetano? Certamente que não! Ao longo de mais de 25 anos, bastante critiquei e alguma coisa ficou em escritos que falam por si.
Mas, por isso, não estou interessado em voltar a ter o mesmo – ou pior – seja com que rótulo for.
Receios infundados? É impossível tal coisa acontecer? Além dos variados exemplos que há pelo mundo, eu já vi a actuação de alguns «democratas» portugueses, sempre que a oportunidade se lhes ofereceu … Portugal vai ter que saber distinguir entre os verdadeiros democratas e aqueles para quem a democracia é «para uso externo».
É maravilhoso derrubar uma ditadura dum dos extremos. Seria trágico se lhe seguisse outra, de qualquer dos extremos.
A massa dos eleitores portugueses vai ter que participar – e participar com muita ponderação. Estou habituado a ver, em muitos campos, a actividade concentrar-se apenas nos extremistas – dos dois lados – não sendo raro que a grande maioria, do centro, equilibrada e honesta, fique apática e calada, o que já fez nascer o nome de «maioria silenciosa». Pois é essa maioria, habitualmente silenciosa, na realidade um grande conjunto de portugueses de boa vontade, que precisa de dinamizar-se – e não estar à espera de «ser dinamizada» - para não sofrer depois as consequências más que lhe serão impostas por uma minoria extremista. E convém não esquecer que qualquer dessas minorias extremistas não precisa de muito para se firmar no Poder. Logo que consegue ocupar algumas posições-chave, muda as regras de jogo e acaba com a democracia. Os exemplos – dos dois lados, repito – são já bem numerosos pelo Mundo …
*
A extraordinária obra realizada desde 25 de Abril é só o começo da tarefa. Há que consolidar e criar, ao longo de um ano, um sistema que nos garanta um futuro estável, normal, verdadeiramente democrático.
Vai haver quem ache estranho, neste momento de vitória e euforia, levantar «espantalhos» que aparecem como nuvens negras num céu de límpido azul. Mas se queremos um exemplo, não temos sequer que o ir buscar ao estrangeiro. É preciso não esquecer que o 28 de Maio, a revolução de 1926, foi tão simples como a de 1974 e recebeu igualmente delirantes aclamações de um povo que também não estava nada satisfeito com o que tinha. Foi tal e qual! Depois é que se descambou no que se viu …
É enorme a responsabilidade da Junta de Salvação Nacional, em relação a esse ponto. Se, depois de feita, a revolução até parece ter sido fácil – muito mais fácil e muito mais «limpa» do que a maioria poderia imaginar - a verdade é que a tarefa do pós-revolução vai ser tremendamente difícil. Há que garantir que a História não se repita e que o 25 de Abril não seja igual ao 28 de Maio – ou algo do estilo, seja da esquerda, seja da direita. Seria, realmente, muito triste se daqui a 48 anos tivesse que haver um outro Movimento das Forças Armadas.
Viva PORTUGAL!
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SEPARATA DO «JORNAL DE SINTRA»
N.º 2082, de 4 de MAIO de 1974.
O FUTURO DO ULTRAMAR
Foram os portugueses habituados a ouvir, sem possibilidade de discussão, o dogma do Portugal indivisível em que – dizia-se mas nem sequer se fazia – as
províncias estavam todas em igualdade de condições e os seus cidadãos, qualquer que fosse a sua cor da pele, ou credo, ou local de nascimento, orgulhosos de serem portugueses. É legítimo pôr em causa essa afirmação, como qualquer afirmação em que a prova e contraprova sejam proibidas e impedidas à força.
Mas, pelas, mesmas razões, não é legítimo afirmar que o Ultramar português não quer ser parte de Portugal, especialmente quando, embora desde o 25 de Abril, não haja a força a impedi-las, não houve ainda tempo para fazer a prova e a contraprova.
Se não é legítimo decidir, «a priori», em favor de uma ou outra destas posições, muito menos legítimo é decidir, não só que o Ultramar não quer ser parte Portugal, mas que «deve» ser imediatamente entregue aos outros grupos armados – indiscutivelmente armados por países estrangeiros – que de uma forma ou de outra e com escasso apoio das populações de que se dizem campeões, têm lutado contra Portugal.
Que razões se podem invocar para entregar a esses grupos o domínio de vastos territórios e alguns milhões de cidadãos? Que democratas são esses que, tendo passado anos a clamar por eleições livres, como a única forma de decidir o destino dos povos, berram agora que alguns povos devem ser entregues a uns grupos que não são o resultado de eleições, de um plebiscito, de um referendo? Se pensarmos que esses povos são grupos heterogéneos, que foram aglutinados por uma presença portuguesa de alguns séculos; se pensarmos que neles se incluem alguns centos de milhares de brancos, nascidos na metrópole ou em África – alguns com várias gerações de África – e muitas centenas de milhares de mestiços em vários graus, resultado de uma miscegenação intensa; se pensarmos que muitos desses homens, pelo menos, e de todos os grupos, se consideram portugueses, há que concluir que a entrega do conjunto a qualquer grupo que não seja resultante de um plebiscito livre e consciente é uma traição que a Metrópole não tem o direito de cometer. Que a Metrópole não tem o direito de cometer, sejam quais forem as pressões internacionais.
Bem sabemos nós as razões das pressões internacionais, particularmente americanas, russas, chinesas ou de quaisquer satélites daqueles três países. Nenhum deles vem pugnando pelos interesses e liberdades dos povos do Portugal ultramarino, mas antes são movidos por outras razões.
Ainda há bem poucos anos a descriminação racial era nos Estados Unidos algo fantasticamente diferente do que havia em Angola, por exemplo. Amando os Estados Unidos, um país onde vivi e trabalhei um total de perto de cinco anos e onde tenho numerosíssimos amigos, não posso deixar de mencionar que no ano de 1957-58, que vivi no estrado de Tennessee, tive ocasião de ver o que era, nessa altura, a superioridade portuguesa em matéria de preconceitos raciais.
Quanto aos países do Leste, mormente a Rússia e a China, porque será que não aplicam em casa aquilo que apregoam para fora? Lembram-se da Hungria em 1956? Lembram-se da Checoslováquia em 1968? Porque existirá em Berlim o muro da vergonha?
Claro que as imensas potencialidades económicas e estratégicas do Ultramar português não podem deixar de tentar qualquer grande potência …
Noutros casos a fúria anti-Portugal é apenas o resultado de uma dor que o povo costuma chamar «de cotovelo». Países que foram grandes colonialistas e que, por motivo do seu tipo de actuação, foram corridos logo que o após-guerra a isso deu azo, sentem uma certa inveja de Portugal continuar a existir quase intacto em 1974. E o «quase» aparece aqui porque uma das parcelas – o Estado da Índia – foi conquistado pelo enorme vizinho do lado que, não tendo, ao longo dos vários anos, conseguido convencer os goeses a deixarem Portugal, e atropelando todas as suas hipócritas afirmações de paz resolveu invadi-la e conquistá-la militarmente. Como a França conquistaria o Luxemburgo ou o Mónaco se a isso resolvesse meter ombros.
Verifica-se ainda o estúpido facto de ser espantoso o desconhecimento do mundo em relação ao Ultramar português. Uma fantástica propaganda, facciosa e mentirosa vem, desde o fim da guerra, inundando o Mundo inteiro. Sou testemunha do que é essa ignorância e do espanto que muitos estrangeiros mostram quando são postos perante muitos factos que ignoravam ou quando visitam o Ultramar português. E a culpa desse facto, se é em parte, de quem faz a propaganda mentirosa, também o é – e muito – dos governos de Salazar e Marcelo Caetano, que nem souberam, para defesa da política que apregoaram, usar os elementos válidos de que dispunham. Permitam-me que transcreva, de um artigo quer publiquei, há cinco anos, no «Jornal do Comércio» de 4/5 de Janeiro de 1969, os seguintes parágrafos:
… «É também claro que a essa propaganda poderia – e deveria – opor-se outra propaganda, melhor dizendo, Informação bem elaborada e fornecida em doses maciças por Portugal. O que fazemos nesses ponto é muitíssimo pouco e manifestamente insuficiente. Dessa nossa deficiência advém muito do êxito da propaganda contrária.
… … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … … …
Pois só a conquista de Goa, a nossa Emissora Nacional iniciou um modesto programa para o estrangeiro! Há muito não compreendo como Portugal se pode dar ao luxo de não lançar para o ar, diariamente, 50 ou 60 horas de emissão radiofónica em 20 ou 30 línguas diferentes. Tem-nos custado bem cara essa «economia».
Para termo de comparação, basta dizer que a Suécia, por exemplo, tem uma emissão diária em Português, e já há mais de 12 anos fui entrevistado pela secção portuguesa da rádio japonesa.»
Das afirmações da Junta de Salvação Nacional podemos concluir que ela não consentirá qualquer tentativa de entrega do Ultramar aos grupos de guerrilheiros e que, pelo contrário, promoverá uma consulta democrática para que a população de cada uma das actuais províncias decida o seu futuro.
Poderá dizer-se que essas províncias têm vindo a ansiar pela liberdade. Evidentemente! Muitas vezes – antes do 25 de Abril – eu referi que achava perfeitamente natural que um português – de qualquer cor – em Luanda ou em Bissau, desejasse uma liberdade que não tinha! A liberdade por que todos os portugueses, afinal, ansiavam!
Mas isso não quer, necessariamente, dizer que qualquer desses territórios, liberto de uma e dominação económica e política, pretenda isolar-se do conjunto. Pode ser que, pesadas as vantagens – reais – de Portugal ser este conjunto que ainda é, mas numa comunidade REALMENTE igual, com ênfase na promoção das populações mais atrasadas – tanto no Ultramar como na Metrópole – com activa participação nos governos locais e no governo do País, alguns – ou todos – desses territórios QUEIRAM ser parte de Portugal, segundo estatuto a definir. Com que direito, então, alguns da Metrópole os expulsariam da sua Pátria?
De um extremismo de proibição, aos jornais, de falar na hipótese de separação do Ultramar, estou a ver, nos mesmos jornais – mas agora livres da censura do Governo -, uma enorme predominância da ideia da entrega do Ultramar aos movimentos dos guerrilheiros. Não creio que isso seja o reflexo da opinião da grande maioria dos metropolitanos e essa irresponsabilidade da Grande Imprensa pode dar ao Ultramar uma falsa ideia do que aqui se passa e fazer nascer graves e injustos ressentimentos.
Até ao dia 25 de Abril os movimentos dos guerrilheiros tinham a sua justificação no facto de ser essa a única maneira de fazerem ouvir a sua voz. Mas, agora, podem bater-se democraticamente pelas suas ideias, em confronto com quaisquer outras que porventura existam na Guiné, em Angola, em Moçambique. Por isso o ataque pelas armas não tem razão, a não ser que esses movimentos não estejam interessados em autodeterminação, nem em democracia, mas apenas em impor a sua vontade, mesmo que ela vá contra a opinião da maioria. Nesse caso, têm que ser drasticamente repudiados por Portugal, pela comunidade internacional e pelas Nações Unidas, em obediência aos princípios que se apregoam.
É óbvio que a guerra, com uma política aberta como a da Junta de Salvação Nacional, há muito já deveria ter acabado. Mas se acredito que alguns dos desertores abandonaram o País por não concordarem com essa mesma guerra, afigura-se-me provável que a grande maioria deles fugiu, pura e simplesmente, com medo e fá-lo-ia em qualquer caso e com qualquer tipo de guerra. Esses, podem ficar pelo estrangeiro; não merecem o nome de portugueses e certamente não são dignos de enfileirar ao lado das fardas que fizeram o 25 de Abril. A quase glorificação dos desertores parece-me igualmente algo que soa a falso na Imprensa diária.
Todos estes pontos que levantei me parecem ser – além do programa da Junta de Salvação Nacional – a opinião da maioria dos portugueses. Mas é preciso que essa maioria não seja silenciosa e grite bem alto a sua opinião. É preciso que essa voz seja ouvida no Ultramar e que a Junta de Salvação nacional sinta o seu apoio. E – talvez acima de tudo – é preciso que ela indique, insofismavelmente, ao Governo Provisório –que não foi eleito, mas apenas escolhido segundo as tendências que à Junta se revelaram – qual a linha de rumo que o País deseja que ele siga.
SEPARATA DO «JORNAL DE SINTRA»
N.º 2085, DE 25 DE MAIO DE 1974
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