14 de março de 2008

As responsabilidades dos agricultores

Publicado no "Linhas de Elvas" de 31-1-2008

Repetidamente, ao longo dos anos, em variados escritos, tenho chamado a atenção para as acções de destruição da agricultura portuguesa levadas a cabo por diversos governos e que atingiu o máximo de intensidade com o que ainda preside aos destinos de Portugal(1,2). Infelizmente, os mais directamente prejudicados por essas acções nefastas, os agricultores, não têm, na sua globalidade e com poucas, embora muito honrosas excepções, mostrado a actividade que eu penso seria de esperar contra quem tanto tem prejudicado o seu sector. As únicas reacções que vemos são as motivadas por qualquer corte nos subsídios. A destruição dos serviços de investigação agronómica e de extensão agrícola, de que os agricultores são os primeiros beneficiados e que lhes dão valores muito superiores aos dos subsídios(3), são vistos com grande indiferença ou até merecem aplauso.

Ver os mercados a abarrotar de produtos estrangeiros que aqui devíamos produzir de melhor qualidade e a mais baixo preço faz pensar que os nossos empresários agrícolas “não sabem” que têm à sua disposição um mercado interno que não aproveitam. O cúmulo dessa anomalia foi encontrar rabanetes vindos da Holanda e sobre os quais escrevi(4) :

"Que se passa com a agricultura portuguesa, que tanto se queixa - e, nalguns casos, com razão - das dificuldades com certas culturas, para se deixar bater nos mercados nacionais na venda de rabanetes?

Como é possível cultivar rabanetes na Holanda (com os tais salários altos), pagar um transporte (certamente caro) de mais de 2.000 km e vir vendê-los em Portugal? Como é possível que a agricultura portuguesa não abasteça o mercado nacional de rabanetes bons e baratos de tal forma que o País não tenha que pagar os bons salários dos agricultores holandeses e os bons salários e os muitos outros elevados encargos do transporte de mais de 2.000 km, para comer rabanetes?

Que é que está errado na agricultura portuguesa? É a produção que não "descobriu" que há um mercado português para rabanetes? Os holandeses parece que o descobriram... É a organização da comercialização dos produtos agrícolas portugueses?"

Perante o facto do consumidor pagar os produtos agrícolas a preços várias vezes superiores aos que são pagos à produção(5) não mostram capacidade (excepto, também, nalguma honrosas excepções) para se organizarem em cooperativas e obterem melhores proventos por supressão dos intermediários parasitas.

Outro índice de pouco dinamismo é o facto de revistas dedicadas à agricultura, com informação útil para a melhoria das explorações, terem tiragens ridiculamente baixas, da ordem dos 10.000 a 15.000 exemplares. Mesmo considerando que Portugal ainda tem muitos agricultores sem capacidade de leitura, os que têm essa capacidade não mostram grande interesse pelas revistas da sua especialidade. Entre as diversas revistas existentes mencionarei duas que, pelo seu prestígio e real valor têm um importante papel. Refiro-me à mais que centenária “Gazeta das Aldeias” e à mais que cinquentenária “Vida Rural”, que veio substituir o “Notícias Agrícola”, aparecido à luz em 4 de Março de 1933 e terminado em 1953, quando foi, como disse, substituído pela "Vida Rural". O caso da “Gazeta das Aldeias” é para mim um mistério mas que me leva a pensar que a falta de dinamismo também afecta as indústrias que vivem da agricultura. A “Gazeta das Aldeias”, quinzenal durante vários anos, passou depois a mensal. Mais recentemente e sendo desde há anos propriedade duma empresa de adubos, passou a semestral, ou seja, apenas dois números por ano! O custo de produção dessa revista, mesmo sem incluir anúncios, seria certamente uma parcela pequena em termos de propaganda e promoção da empresa que a detém.

Bem gostaria que os agricultores, como empresários que são e todos os que, directa ou indirectamente (como é o caso de algumas indústrias) vivem da agricultura, pensassem nestes problemas, para seu próprio bem e para bem deste pobre país.

(1) Mota, M. - A destruição da agricultura. Linhas de Elvas de 19-10-2006

(2) ----------- - Investigação agronómica. Linhas de Elvas de 10-5-2007

(3) ----------- - Investigação e Extensão. Os maiores "subsídios" que podem ser dados a qualquer agricultura. Gazeta das Aldeias. Nº 2996, Julho de 1992

(4) ----------- - Rabanetes da Holanda!. Vida Rural Nº 21/1992

(5) ---------- - O peixe e a hortaliça. Jornal de Oeiras de 13 de Junho de 2006

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