14 de março de 2008

Bioetanol de cana

Publicado no Linhas de Elvas em 22-3-2007

Os problemas da energia continuam a ser tratados em Portugal duma forma errática, sem qualquer sentido das proporções e desprezando o que pode realmente ser eficiente e económico. De há muito que aponto alguns casos que julgo terem boas probabilidades de ter viabilidade económica(1, 2, 3, 4) e que, portanto, mereciam, pelo menos, ser investigados, nalguns casos já com a amplitude de estação piloto. Portugal é potencialmente muito rico em energias renováveis, de que só aproveita uma pequena parte, dependendo imenso da importação de energia, algo muito grave, não só do ponto de vista económico como da defesa. É fácil imaginar a situação que se viverá se um dia lhe cortarem o abastecimento.

Há anos, numa reunião, tive que chamar a atenção duma pessoa que, baseada em ensaios que tinha lido, do estrangeiro, sobre determinada planta, propunha a sua cultura, para a produção de energia, numa vasta área do nosso Alentejo. Fiz-lhe notar que as produções que ele referia eram obtidas em solos fundos e com irrigação e que certamente o que teria no sequeiro alentejano seria muito diferente. (O Alqueva ainda estava muito longe...).

Foi noticiado recentemente que na Idanha-a-Nova se iria produzir o primeiro bioetanol de cana da Europa. Haveria já variedades de cana de açúcar a vegetar em boas condições naquela área e o caso era generalizável a uns bons milhares de hectares, o que daria uma quantidade significativa de álcool, uma boa ajuda para reduzir as nossas importações de petróleo.

Não tenho elementos que me permitam avaliar exactamente a situação mas a notícia sugere-me alguns comentários.

Se, de facto, é possível cultivar cana de açúcar nalgumas regiões de Portugal Continental por terem sido criadas variedades compatíveis com este clima, qual a razão porque não é antes aproveitada para a extracção do açúcar, um produto que temos de importar? Será o teor de açúcar tão baixo que não compense a extracção? Mas nesse caso é suficientemente bom para a produção de etanol ser económica? E como é que, em tais casos, compara com a produção de bioetanol a partir do sorgo sacarino, que sabemos crescer bem no nosso clima?

Portugal já teve uma boa experiência do uso do etanol em automóveis. Durante a II Grande Guerra, com as dificuldades de abastecimento de petróleo, em Moçambique, onde se produzia grande quantidade de cana de açúcar, o álcool foi usado em automóveis que fizeram muitos milhares de quilómetros com esse combustível, a que chamavam “alcoolina”. E no Portugal Continental foram usados nessa altura os automóveis movidos a carvão, com a adaptação dum dispositivo a que se dava o nome de “gasogénio”.

Creio que o único país que actualmente usa extensivamente o bioetanol é o Brasil, o que se compreende, dada a vastíssima área de cana, cultivada em boas condições, que justifica, como ali se diz, ter “automóveis movidos a cachaça”. Nos Estados Unidos também é usado mas em pequena proporção quando comparado com o petróleo.

Produzir bioetanol é muito fácil. Basta comprar sacos de açúcar e pô-lo a fermentar. A questão é o preço...

(1) Mota, M. – A agricultura é que há-de substituir o petróleo. Vida Rural nº 128, 1992

(2) Mota, M. – Carros podem ser movidos a estrume. Tempo de 31-12-1980

(3) Mota, M. – O gás do estrume. Vida Rural nº 84, 1980

(4) Mota, M. – A Europa, as Energias Renováveis e a Agricultura. Vida Rural nº 1719, 2006

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