14 de abril de 2008

Mestrados

Publicado na "Jornal de Sintra" de 21 de Março de 2008

O jornal "Público" de 29-2-2008 publicou um Suplemento "Mestrados", em que se diz que "São cada vez mais os portugueses que optam por tirar um mestrado após a conclusão da licenciatura". Esta simples frase mostra a enorme confusão que reina no ensino superior em Portugal.
Em 1999, a Declaração de Bolonha, que Portugal assinou, definiu três níveis de graus para o ensino superior com, respectivamente, 3, 5 e 7 anos de escolaridade. Cada país dá a esses níveis o título que entender. Nos países anglo-saxónicos há muito se usam para esses três graus os nomes de "bachelor", "master" e "doctor". Antigamente havia em Portugal igualmente três graus universitários, "bacharel", "licenciado" e "doutor". A infeliz legislação portuguesa de 1980 "enxertou" nesse sistema um quarto grau, o de "mestre", entre a licenciatura e o doutoramento. A partir dessa data, TODAS as licenciaturas portuguesas passaram a ser, internacionalmente, bacharelatos pois é a quem tem um "bachelor" que se manda fazer um "master". Para corrigir esse erro propus, a partir de 1994(1,2,3) essencialmente o que Bolonha veio dizer cinco anos mais tarde. A minha proposta não foi aceite, embora depois Portugal fosse assinar - aceitando-a - a Declaração de Bolonha. (Foi assinada, por Portugal, pelo mesmo ministro que, anos antes, me disse pessoalmente que aquilo não se podia fazer!).
Na minha proposta indiquei que se suprimisse o nome do grau de "mestre", voltando a ser usados os anteriores graus de bacharel, licenciado e doutor. As pessoas que tiveram poder para decidir preferiram suprimir o nome de bacharel, ficando os três níveis com os nomes de "licenciado", "mestre" e "doutor". Mas parece não se compreender que, para todos os efeitos, o "licenciado" pós-Bolonha é um bacharel e o mestre é menos do que eram antigamente os cursos de médico ou engenheiro.
A Espanha tem tratado estes problemas de forma bastante mais inteligente. Quando, há anos, mudou o sistema, idêntico ao que vigorava em Portugal, para algo como Bolonha definiu, não deixou de tratar convenientemente os seus diplomados. O curso de Engenheiro Agrónomo era semelhante ao que havia em Portugal. O nosso incluía cinco anos de cadeiras, um tirocínio de 120 dias úteis de que devia ser apresentado um Relatório, e uma tese, defendida em acto grande, que levava, em média, cerca de três anos, ou seja um total de escolaridade (incluindo o trabalho de investigação) de oito anos. Quando a Espanha mudou o sistema, os Engenheiros Agrónomos, julgo que com média de curso de, pelo menos, 14 valores, receberam o diploma de Doutor. O Prof. Mateo Box, Catedrático de Agronomia de Madrid, que esteve em Portugal como arguente num concurso para Investigador Coordenador, contou-me que esse foi o seu caso. Quando, na década de 1980, veio a Portugal um grupo de catedráticos da Universidade de Reading, para ajudar a instalar os mestrados, o Prof. Watkin Williams (que sabe espanhol) disse-me que tinha estado na Biblioteca da Estação Agronómica a ver essas teses e que todas as que viu eram perfeitamente boas teses de Ph.D. (Doutoramento). Em Portugal, mais de oito anos depois da Declaração de Bolonha, a confusão continua e as pessoas parece não compreenderem que o título actual de "licenciado" é, na realidade, um "bacharel".
Se os portugueses consentirem que um governo que se diz "socialista" e "de esquerda" (não é uma coisa nem outra) use Bolonha como subterfúgio para só financiar os 3 anos para formar licenciados (leia-se "bacharéis"), de forma inconstitucional (pois viola o Artigo 74º, na sua alínea 2e), não podem queixar-se de continuarmos na cauda da Europa.

(1) - Mota, Miguel - Achegas para o novo estatuto da carreira docente universitária. Público de 2 de Julho de 1994

(2) - Mota, Miguel - A propósito da Escola Superior Agrária de Elvas, o Ensino Superior Agrícola. Linhas de Elvas de 5 de Maio de 1995
(3) . Mota, Miguel - O ensino da engenharia e a Declaração de Bolonha. Ingenium (Revista da Ordem dos Engenheiros) Nº 65, Fevereiro 2002

1 comentário:

Pizzicato disse...

Pois não podia concordar mais com o que aqui foi escrito! Como aluno recém licenciado do ISA (recém-mestrado melhor dizendo) e tendo sido apanhado pela transição para Bolonha, experienciei toda esta trapalhada!Ninguém parece ter percebido que Bolonha apenas veio trocar o nome de licenciatura por mestrado e permitir aos estudantes terem um diploma (que lhes permite fazer não sei bem o quê,tendo em conta a miséria que são os curricula dos primeiros 3 anos)logo ao fim de 3 anos de estudos superiores. Pior, quis-se complicar o trabalho final de curso (agora chamado de dissertação de mestrado) como se de uma verdadeira dissertação de mestrado se tratasse!Não se consegue enfiar nas cabeças brilhantes de quem governa o ISA, que este mestrado de bolonha é exactamente o mesmo que a licenciatura pré-bolonha, apenas com a diferença de possuir curricula mais pobres, formar piores profissionais e ter um nome diferente - o de mestrado (2º ciclo), como lhe gostam de chamar.